O
procedimento administrativo de avaliação ambiental (doravante AIA), é regulado
pelo DL 151-B/2013 e visa apurar quais as consequências no meio ambiente de certos projectos
públicos e privados que sejam susceptíveis de produzir quaisquer efeitos
significativos no meio ambiente. Podemos concluir que desta forma, o AIA vem
introduzir nas decisões administrativas um importante factor ambiental. Segundo
o artigo 2º,g) do DL151-B/2013, a DIA(Declaração de
Impacto Ambiental) é uma "decisão, expressa ou tácita, sobre a viabilidade
ambiental de um projecto, em fase de estudo prévio ou anteprojecto ou projecto
de execução". É uma declaração emitida no procedimento de AIA sobre a
viabilidade da execução do projecto em causa. Este artigo vem desde logo prever
a possibilidade de emissão tácita de uma DIA. E é neste aspecto que nos iremos
focar.
Para que o procedimento se finalize, e se possa permitir o acto de
licenciamento/autorização do projecto, a DIA tem de ser proferida dentro dos prazos previstos e também comunicada à entidade competente para a autorização,
como dispõe o artigo 19º/1. E, logo de seguida, o 19º/2 estabelece que a DIA
deve ser emitida no prazo máximo de 100 dias contados a partir da recepção pela
entidade de AIA do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), sendo esse prazo reduzido
para 80 dias nas situações de projectos sujeitos a licenciamento industrial.
Uma situação como esta levanta sempre a questão de saber o que aconteceria em
situações em que a administração não respeitasse estes prazos. Se a DIA
favorável ou favorável condicionada é uma condição de existência do futuro acto
de licenciamento de projectos sujeitos a AIA, o que aconteceria quando a
administração nada fazia e não havia DIA?
Se olharmos para o regime do CPA, nos termos dos artigos 108º e 109º, em princípio o
silêncio da administração corresponderá a um indeferimento tácito, salvo nos casos
previstos (o deferimento tácito é assim um regime excepcional). Tal
indeferimento dá a possibilidade ao particular de, nos termos do CPTA, interpor
uma acção de condenação da administração à prática do acto devido.
No entanto, o RAIA vem desde logo prever expressamente no seu artigo 19º/2 uma situação de deferimento tácito como regra geral: o silêncio da
administração neste caso corresponde a uma DIA favorável. Passado o prazo
máximo para conclusão do procedimento, sem a decisão da DIA ter sido notificada
à entidade licenciadora ou competente para autorizar o projecto, a DIA é
considerada como tacitamente deferida. Este regime vem consagrar uma
"solução de recurso" para situações em que a entidade competente, que
deveria ter agido, não cumpre os prazos. Se ela nada faz, e de forma a evitar
que o proponente fique infinitamente à espera de uma decisão e impedido de
actuar para pôr o seu projecto em marcha, entendeu-se ficcionar um silêncio da
administração e considerá-lo como um deferimento tácito. Também se pode ver esta previsão como uma forma de pressionar a administração a decidir dentro dos
prazos, sob pena de ver um procedimento avançar sem que tenha sido devidamente
analisado. Perante um pedido e decorrido o prazo previsto sem que o órgão
responsável se pronuncie, tendo o dever jurídico de o fazer, a lei considera
que o pedido está satisfeito, e a DIA é deferida tacitamente.
A doutrina ambientalista tem discutido intensamente esta situação. Não será que
esta previsão vai contra os próprios objectivos do RAIA e da própria DIA? Na
verdade não se sabe se terá existido alguma ponderação das consequências que o
projecto em causa poderá acartar. Muitas vezes pode nem ter existido qualquer
análise. Tal situação até poderia redundar numa situação caricata - uma DIA
favorável (tacitamente), mas desfavorável ao ambiente. Então mas todo este
procedimento não tem como objectivo máximo a defesa do ambiente? Alguns autores
consideram que esta opção é totalmente errada e destituída de fundamento. A
entidade responsável pelo licenciamento deve tomar conhecimento de todos os
factos relevantes para a sua decisão, através de um procedimento específico, de
forma a poder decidir adequadamente sobre a viabilidade de certo projecto. O
legislador criou um procedimento específico, complexo, com intervenção de um
elevado número de entidades para a avaliar o impacto ambiental do projecto, mas
vem por outro lado prever que no silêncio da administração, a DIA (um dos
passos mais importante de todo do procedimento) possa ser tacitamente deferida,
podendo sê-lo sem ter havido qualquer contacto com o projecto.
José Figueiredo Dias considera que se abriu aqui a
possibilidade de subverter totalmente a intencionalidade do regime legal,
devido a uma falta de coerência entre o regime do deferimento tácito e a opção
de conceber a DIA como parecer conforme favorável, como uma declaração que só
permite uma decisão de licenciamento ou autorização do projecto no caso de ser
positiva ou favorável condicionada (tornando impossível o deferimento do
licenciamento ou da autorização no caso de ser negativa/desfavorável). Segundo
o mesmo, corre-se aqui o risco de por uma negligência da entidade ou mesmo de forma
intencional, se permitir a autorização de um projecto que pode ser lesivo do
ambiente, que pode acarretar graves perigos ambientais, sem que exista uma
qualquer decisão sobre a matéria.
A professora Carla Amado Gomes considera que esta opção é contraproducente, se tivermos em conta a lógica
de antecipação de impactos ambientais negativos e a sua minimização. A DIA pode
assim emergir de uma total ausência de procedimento, ou de um procedimento onde
não existiu uma participação, oral ou escrita, ou mesmo implicar a validação de
um EIA sem os elementos essenciais, como por exemplo, as medidas de
minimização. Considera que esta situação pode encaminhar a entidade
licenciadora para uma ponderação em branco, ao remeter a mesma para o EIA apresentado
e para os outros elementos referidos no 16º/1 quando disponíveis (19º/4). A autora considera ainda que apesar deste acto estar protegido contra
alegações de vícios formais, a sua presença nos momentos de autorização
posterior não deve impedir o órgão competente de, invocando uma falta de
elementos ponderativos, indeferir o pedido de autorização.
No entanto este deferimento não significa uma total indiferença em relação às
possíveis consequências ecológicas do projecto em causa. No momento em que a
entidade licenciadora ou competente para a autorização toma a sua decisão deve
ter em consideração não só os problemas sociais e económicos do projecto em
causa, mas também os problemas ambientais que ele pode acarretar. Segundo o
artigo 19º/4, havendo deferimento tácito, a decisão da
entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto deve indicar
as razões de facto e direito que a levam a tomar a decisão, e deve ainda ter em
consideração o EIA apresentado pelo proponente e outros elementos que estejam
disponíveis, como aqueles referidos no 16º/1 (por exemplo, pareceres técnicos, relatório de consulta pública). O
professor Vasco Pereira da Silva considera que é dada competência para avaliar e ponderar a dimensão
ambiental da actividade proposta à entidade que coordena o procedimento
autorizativo global, entidade licenciadora. Tenta aqui salvar-se o interesse
ambiental nos casos de deferimento tácito da DIA, onde não existe certeza sobre
se os interesses ambientais foram respeitados. Não haverá assim problema em
existir uma DIA favorável por deferimento tácito, desde que seja possível a
intervenção referida, podendo nesse momento negar-se provimento no processo
autorizativo global, se a DIA devesse ter sido considerada desfavorável. De
outra forma, se esta entidade não estivesse obrigada a ponderar todos os interesses
em jogo (sobretudo os ecológicos), a decisão seria nula, pois estaríamos
perante uma violação dos princípios constitucionais ambientais, como o
princípio da prevenção ou do desenvolvimento sustentável.
Segundo o professor Tiago Antunes, a prática mostra que não têm existido DIA´s favoráveis por incumprimento
dos prazos estabelecidos. Desta forma, o deferimento tácito não será um
problema real, e esta "ameaça" tem feito com que a administração
respeite os prazos o que é bastante positivo.Este autor, considera ainda que
esta solução do deferimento tácito é comum no panorama jus-ambiental português
e que seria estranho que um dos principais regimes nesse campo (RAIA) não
prevê-se tal situação.
Devemos ter porém
algumas preocupações:tal opção não é seguida pela jurisprudência europeia, e
poderá estar-se a pôr em causa os princípios da prevenção, da imparcialidade ou
do desenvolvimento sustentável. Para além disso, e mesmo com a limitação do 19º/4, temos de ter em atenção que deixar a decisão totalmente dependente da
entidade licenciadora do procedimento global, sem grandes qualificações
técnicas em comparação com a entidade que deveria emitir o DIA, e sobretudo
porque em muitas situações pode nem ter acesso a todas as informações
necessárias para "dar" uma decisão totalmente esclarecida e
fundamentada, o que pode não nos deixar "completamente descansados".
Finalmente apenas mais uma pequena referência a todo este regime, e que é
sublinhada pelo professor Tiago Antunes. O artigo 19º/1 estatui que a DIA deve
ser sempre notificada mesmo quando existe deferimento tácito. Para o professor
esta situação é um pouco inexplicável- então se a administração não foi
suficientemente diligente para praticar o acto que devia dentro do prazo, será
então de esperar que o seja agora para notificar que não praticou o acto? E o
que terá a administração de notificar? O deferimento tácito não tem substância
documental. A única coisa que parece "notificável" será a informação
que o prazo previsto no RAIA foi ultrapassado sem que a decisão da DIA tivesse
sido dada e que se produziu o efeito legal de considerar a DIA deferida. Temos
assim uma notificação meramente informativa, pois os efeitos jurídicos do
deferimento tácito acontecem tenha ou não existido notificação. Dessa
forma não faria qualquer sentido prevê-lo, e estaria em causa o objectivo de
obstar à inércia administrativa, pois à administração bastava continuar sem
qualquer actividade (agora sem fazer a notificação), para manter o particular
numa posição de expectativa. Não fazia qualquer sentido que se fizesse depender
a eficácia do acto tácito de um comportamento notificador da entidade
administrativa cuja inacção se pretendia ultrapassar.
Perante tudo isto, resta-nos tomar uma posição. É certo que por vezes o
deferimento da DIA tacitamente pode resultar numa contradição,de termos uma DIA
favorável desfavorável ao ambiente, e que dessa forma poderia estar em causa o
respeito pelos princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, e a
ponderação de efeitos nefastos para o ambiente. Mas, por outro lado temos de
atentar que, por um lado, é a entidade licenciadora que tem sempre a última
palavra (apesar das suas menores qualificações) e pode sempre negar a licença/autorização.
E para além disso, o objectivo de pressionar a administração a actuar dentro do
prazo sob pena de existir um deferimento tácito, tem surtido efeito - não há
indícios de qualquer ocorrência de tal situação. E devemos até aqui partilhar a
opinião do professor Tiago Antunes de que tanta preocupação doutrinal se tem revelado desproporcionada e que
se está de facto a "fazer uma tempestade num copo de água".
Bibliografia:
ANTUNES, Tiago, "Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente: Verdes Textos I", AAFDL, 2014
DIAS, José Eduardo Figueiredo, "O Deferimento Tácito da DIA: mais um repto à alteração do regime vigente" em "Revista CEDOUA"
GOMES, Carla Amado, "Introdução ao Direito do Ambiente", AAFDL, 2ª Edição, 2014
SILVA, Vasco Pereira da, "Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente", Almedina, 2ª edição, 2004
Bruno Dias, 19525.