terça-feira, 27 de maio de 2014

Breves questões realizadas ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos


 
1. Enquanto titular de uma pasta como a sua, quais os maiores problemas ambientais que tem que enfrentar?

 A agenda de política de ambiente é ampla e complexa. Existem múltiplas temáticas como a gestão dos recursos hídricos e do litoral, os resíduos, a qualidade do ar ou o ruído, bem como as alterações climáticas, seja na perspetiva da adaptação ou da mitigação de emissões de CO2. A transversalidade das questões ambientais tornam especialmente relevante a ligação com a economia, a energia ou até a saúde pública. Estamos constantemente a evoluir do ponto de vista de conceitos e paradigmas, desde o desenvolvimento sustentável, o crescimento verde ou a economia circular. No fundo enfrentamos o desafio de termos de criar riqueza e emprego com menor consumo de recursos, tornando o nosso modelo de desenvolvimento mais eficiente e resiliente.

2. O que podemos esperar, em matéria ambiental, nos próximos anos? Há muito para fazer?

Maior eficiência no uso dos recursos (energia, água, solo). Uma sociedade que emita muito menos gases com efeitos estufa e mais resiliente às alterações climáticas e menos dependente dos combustíveis fósseis. Uma economia que seja liderante na área das tecnologias verdes e ecoinovação. Melhoria da qualidade do ar e da água.




3. A nova Lei de Bases do Ambiente vem revolucionar a maneira de legislar em ambiente? Ou vem clarificar princípios e conceitos?

 A Lei de Bases do Ambiente na versão revista vem sobretudo aprofundar dimensões transversais e conceptuais. É mais uma evolução face a novas realidades (como as alterações climáticas) e conceitos do que uma revolução. É um diploma de grandes princípios e orientações, que serve de enquadramento legal e estratégico à política de desenvolvimento sustentável.



5. Qual a possibilidade de, no futuro, vir a consignar verbas oriundas de impostos ecológicos para a criação de fundos de compensação ecológica?

         Está em curso uma reforma da fiscalidade ambiental que vai nesse sentido.   O Governo decidiu rever a fiscalidade ambiental e energética, bem como promover um novo enquadramento, fiscal e parafiscal, através do desenvolvimento de mecanismos que permitam a internalização das externalidades ambientais. A Reforma da Fiscalidade Verde deverá assim contribuir para a ecoinovação e a eficiência na utilização de recursos, a redução da dependência energética do exterior e a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, bem como fomentar o empreendedorismo e a criação de emprego, a concretização eficiente de metas e objetivos internacionais e a diversificação das fontes de receita, num contexto de neutralidade do sistema fiscal e de competitividade económica.






4. A Secretaria de Estado do ambiente tem a particularidade de tratar de assuntos cujos resultados se verificarão a longo prazo. Como é feita esta gestão?

Especialmente com base em instrumentos de planeamento que contribuem para a operacionalização de políticas. Ex. Roteiro baixo carbono 2050, Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020-2030. Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2020. Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais 2020. Temos procurado que, quer a elaboração quer a discussão pública destes documentos seja o mais participada possível dado que a política de ambiente só se faz com todos os cidadãos.


Paulo Cunha Matos


domingo, 18 de maio de 2014


 

Um “olhar” pelo regime da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)

O presente trabalho tem como objectivo fazer uma breve análise do regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (doravante AIA), de acordo com os seguintes aspectos: âmbito de aplicação, marcha do procedimento, entidades competentes, conteúdo e força jurídica da decisão de impacte ambiental. O actual regime jurídico de avaliação de impacte ambiental encontra-se instituído pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Este diploma, que entrou em vigor a 1 de Novembro de 2013, veio revogar o Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro. A AIA é um instrumento destinado a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio ambiente. Desta forma, enquanto mecanismo de controlo prévio de actividades potencialmente ofensivas do equilíbrio ecológico, a AIA constitui-se como o instrumento concretizador do princípio da prevenção na medida em que procura assegurar uma defesa do ambiente avaliando e, se necessário, evitando determinados efeitos lesivos para a natureza antes de estes se verificarem. Mas outros princípios, como o princípio do desenvolvimento sustentável e o princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis são também realizados através deste procedimento. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, o primeiro é concretizado na medida em que o regime da AIA introduz o “factor ambiental” na tomada de decisões administrativas, permitindo apreciar a sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser relevante em sede de desenvolvimento económico, enquanto o princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis obriga à utilização de critérios de “eficiência ambiental”, de forma a optimizar a utilização dos recursos disponíveis, na avaliação da actividade projectada[1].

Posto isto, cabe agora proceder a uma breve análise do âmbito de aplicação deste regime. Assim sendo, de acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, o âmbito de aplicação deste procedimento pode ser feito de uma perspectiva positiva e negativa. Assim, a AIA aplica-se a todos os projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, conforme dispõe o artigo 1.º, n.º 1 da AIA, aos projectos incluídos nos Anexos I e II ao diploma (art.º 1º/3), aos projectos que, por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em razão da matéria e do membro do Governo responsável pela área do Ambiente, sejam considerados como susceptíveis de provocar um impacto significativo no Ambiente, tendo em conta os critérios estabelecidos no seu anexo III (art.º 1º/3, alínea c)) e, em termos negativos, o procedimento de AIA não se aplica aos projectos destinados à defesa nacional sempre que os membros do Governo responsáveis por estas áreas reconheçam que o procedimento terá efeitos negativos sobre esses projectos (art.º 1º/7). Questão de fundamental importância quanto à matéria do âmbito de aplicação deste regime jurídico é a da dispensa de procedimento, prevista no art.º 4º. A dispensa do procedimento de AIA é admissível mediante iniciativa do proponente (através de requerimento devidamente fundamentado - art.º 4º/2) e por decisão conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente e da tutela do projecto, através do qual o licenciamento ou autorização de um projecto pode ser efectuado com dispensa, total ou parcial, do procedimento de avaliação de impacte ambiental, desde que se baseie em situações excepcionais e devidamente fundamentadas (art.º 3º/1). Relativamente a esta matéria, algumas críticas têm sido feitas principalmente no que diz respeito à expressão “circunstâncias excepcionais” constante do n.º1 do artigo 4.º, que como entende a Professor Carla Amado Gomes, trata-se de um conceito indeterminado constituindo por isso uma “espécie de norma habilitante em branco”, tornando o controlo do exercício dessa competência extremamente difícil, para além disto considera ainda a mesma autora que esta “dispensa” é também criticável pela não exigência de apresentação de um Estudo de Impacte Ambiental (doravante EIA), contrariando assim o princípio de que deve ser o proponente a demonstrar a ausência de impactos relevantes associados ao projecto.

No que respeita à marcha do procedimento, o regime da AIA desenvolve-se ao longo de várias fases. Primariamente, o proponente começa por apresentar o EIA com o projecto a licenciar, sob a forma de estudo prévio, anteprojecto ou projecto de execução, à entidade licenciadora ou competente para autorização do projecto, que dispõe de 5 dias para os remeter à autoridade de AIA (art. 14.º, n.º1). No entanto, o procedimento só se inicia a partir da recepção da documentação necessária à correcta instrução pela Autoridade de AIA, nos termos do artigo 14, n.º 1 e 2. Cabe também referir, que o procedimento de AIA pode ter uma fase facultativa, que consiste na definição do objecto do estudo de impacto ambiental (artigo 12.º), onde o proponente pode apresentar uma proposta de definição do âmbito do Estudo de Impacto Ambiental (art.º 12º/2) que será posteriormente objecto de uma consulta institucional (art.º 12º/3), da qual resultará um parecer. Caso o pedido se encontre correctamente instruído, a Autoridade da AIA procede à Constituição da Comissão de Avaliação, e, segundo o n.º5 do mesmo artigo, a comissão de Avaliação tem 30 dias para se pronunciar sobre a conformidade do EIA contados a partir da data da sua constituição, podendo a autoridade de AIA, com base na sua apreciação, emitir decisão de conformidade que viabiliza a sequencia imediata do procedimento (14.º, n.º 10), ou de desconformidade que acarreta o indeferimento liminar do pedido de AIA e a extinção do procedimento respectivo. Podendo ainda emitir um pedido de aperfeiçoamento no caso do n.º8 do mesmo artigo. E, ainda é aberto um período de participação pública de 20 dias, no âmbito do qual os interessados são chamados a pronunciar-se sobre os elementos do procedimento de AIA (art. 15.º, n.º1) e os resultados dessa consulta pública são inseridos num relatório (art. 29.º, n.º4). Terminada esta fase, a Comissão de Avaliação irá elaborar o parecer final do procedimento de AIA, o qual remete à Autoridade de AIA para a preparação da proposta de uma Declaração de impacte ambiental (doravante DIA) (art. 16.º, n.º1). A autoridade de AIA elabora uma proposta de DIA, que notifica ao interessado para que ele se pronuncie nos termos dos artigos 100.º e seguintes do CPA (art. 17.º). Cabe mencionar que de acordo com o artigo 2.º, alínea g) da AIA, a DIA corresponde “a uma decisão, expressa ou tácita, sobre a viabilidade ambiental de um projecto, em fase de estudo prévio ou anteprojecto ou projecto de execução”. Relativamente a este último aspecto, cabe referir que se tivermos perante um projecto de execução, a DIA é suficiente para determinar se o projecto pode ser licenciado ou autorizado. Já quando a AIA é realizada em fase de estudo prévio ou de anteprojecto, há necessariamente lugar a uma fase subsequente em que se vai confirmar se o projecto, uma vez assente em termos concretos e definitivos, respeita as condicionantes prescritas na DIA, como vem expressamente previsto nos artigos 20.º e 21.º da AIA. Relativamente ao sentido de decisão, a DIA pode ser favorável, favorável condicionada ou desfavorável. É o que resulta expressamente do artigo 18.º, n.º 1 da AIA, pelo que segundo este artigo o procedimento de AIA terminará de uma de três formas, ou viabilizando o projecto, tal e qual como o proponente o apresentou ou viabilizando o projecto, mas exigindo que este respeite determinadas condicionantes ou inviabilizando por completo o projecto. Cabe também fazer referência que o relacionamento entre o acto de avaliação de impacte ambiental e o acto de licenciamento pode configurar uma de três hipóteses: no caso de uma DIA favorável, o licenciamento do projecto torna-se possível, mas tal não significa que haja um dever de licenciar o projecto, já que a sua decisão pode envolver a ponderação de outros valores, por exemplo, económicos ou sociais que se considerem importantes; no caso de uma DIA favorável condicionada, o licenciamento do projecto torna-se igualmente possível, mas apenas desde que respeitadas as condições prescritas na própria DIA e por fim, no caso de uma DIA desfavorável, fica absolutamente excluída a possibilidade de o projecto ser licenciado.

Quanto à competência para a emissão da DIA, dispõe o artigo 19.º, n.º 1 do RAIA que “a DIA é proferida pela Autoridade de AIA ou pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente”. E, ao remeter o n.º1 para os nºs 6 e 7 do artigo 16.º do mesmo diploma, verifica-se que se a DIA for desfavorável, ela terá que ser praticada pelo Ministro mas já se for favorável será proferida pela Autoridade da AIA (art. 16.º/6). Ou seja, se a Autoridade de AIA decidir viabilizar o projecto, poderá ela mesma praticar a DIA favorável ou condicionalmente favorável. Se, pelo contrário, entender que o projecto tem impactes ambientais adversos tão significativos e que portanto não deva ser autorizado, terá de remeter o processo ao Ministro do Ambiente, a fim de que este emita a correspondente DIA desfavorável. Esta situação tem sido alvo de muitas críticas, nomeadamente para o Professor Tiago Antunes, esta é uma situação criticável e que deveria ser analisada, porque desta forma conduz ao favorecimento de emissões de DIAs favoráveis ou condicionalmente favoráveis, uma vez que para se proceder à emissão de DIAs desfavoráveis, estas têm ainda de ser remetidos ao membro do Governo responsável para aí serem novamente analisados, e devendo para o efeito a Autoridade de AIA concluir a sua apreciação pelo menos 10 dias antes do termo do prazo de decisão, ao contrário do que se verifica na emissão das DIAs favoráveis pois são apenas proferidas pela Autoridade de AIA. Outro dos aspectos que merece também especial atenção na análise deste regime da AIA, diz respeito à questão do deferimento tácito que vem expressamente contemplado no artigo 19.º, n.º 2, segundo o qual, decorrido o prazo máximo para a conclusão do procedimento de AIA sem que a respectiva decisão final, a DIA, tenha sido notificada à entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto, considera-se que essa mesma DIA foi tacitamente deferida. Não obstante, o artigo 19.º, n.º 4 do AIA determinar que, nos casos de deferimento tácito, a entidade competente para o licenciamento ou autorização do projecto deverá ter em consideração o EIA apresentado pelo proponente, bem como os demais elementos que tenham sido recolhidos ao longo do procedimento de AIA, como os pareceres de entidades externas, a apreciação técnica do EIA, o relatório da consulta pública, etc. Considero que esta solução não deixa de ser algo contraditória porque se a finalidade deste regime foi a de autonomizar a apreciação das consequências ecológicas para eventual aprovação e autorização de um projecto, e nessa medida a autoridade licenciadora tomar a melhor decisão possível, então não faz sentido esta solução, ou seja, atribuir-se tanta importância aos procedimentos da AIA para depois acabar por ter lugar independentemente da sua verificação. Finalmente falta-nos analisar a última questão deste trabalho, que diz respeito à força jurídica da decisão de impacte ambiental. Esta é uma questão muito importante uma vez que é a força jurídica da DIA que vai determinar que consequências tem o procedimento de AIA sobre o licenciamento ou a autorização do projecto. Verifica-se pelo artigo 22.º da AIA, que o legislador atribuiu à DIA uma força jurídica vinculativa, nos termos da qual uma decisão em sentido negativo impede o licenciamento ou a autorização do projecto. Ou seja, o acto de licenciamento ou autorização do projecto só pode ser praticado se previamente existir uma DIA favorável ou favorável condicionada. E para não falar que o n.º 3 do artigo 22.º vem determinar que a violação das regras anteriores acarreta o desvalor da nulidade, fortalecendo ainda mais a sua vinculatividade. Quando falamos aqui em vinculativa é importante não esquecer o que já foi referido anteriormente, que é o facto de a DIA favorável ou favorável condicionada não obrigar ao licenciamento ou autorização do projecto e a DIA desfavorável obrigar ao indeferimento do projecto. É justamente por isso que o Professor Tiago Antunes fala aqui de uma “vinculatividade modulada ou alternativa”, ou seja, se a DIA for desfavorável ocorre um “efeito preclusivo”, que impede o licenciamento ou a autorização do projecto mas se a DIA for favorável ou condicionalmente favorável, ocorre um “efeito conformativo”, que impõe as circunstâncias e condicionantes ao abrigo das quais o projecto pode ser licenciado ou autorizado, mas não quer dizer que o seja. Verificamos assim que a DIA é condição da existência de um futuro acto de licenciamento de projectos sujeitos a AIA, que só poderá ser praticado após a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável, apresentando-se assim como um verdadeiro acto administrativo. Seguindo a Posição do Professor Vasco Pereira da Silva, é um verdadeiro acto administrativo que “se integra numa relação jurídica duradoura e que resulta de um procedimento complexo, constituindo um pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores, que ficam por este condicionados, quer no que respeita à sua existência, quer ao seu conteúdo”.

O regime da AIA, apesar de algumas irregularidades por parte do nosso legislador é um regime bastante completo e confere segurança e protecção para o meio ambiente pois por um lado, permite avaliar, de forma integrada, os possíveis impactes ambientais significativos, decorrentes da execução dos projectos e das alternativas apresentadas, por outro lado procura definir medidas destinadas a evitar, minimizar ou compensar tais impactes ambientais, e, ainda como questão muito importante deste regime procura garantir a participação pública e a consulta dos interessados na formação de decisões que lhes digam respeito, privilegiando o diálogo e o consenso no cumprimento da função administrativa.  

 

Bibliografia:

  • ANTUNES, Tiago, “A decisão do procedimento de avaliação de impacte ambiental” in ACTAS DO COLÓQUIO, Revisitando a Avaliação de Impacte Ambiental AA. Vários, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, 2013, p. 207 e SS;
  • FERNANDA NEVES, Ana, “O âmbito de aplicação de avaliação de impacte ambiental” in ACTAS DO COLÓQUIO, Revisitando a Avaliação de Impacte Ambiental, AA. Vários, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, 2013, p. 112 e SS;
  • GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: AAFDL,  2014, p. 143 – 168;
  • PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente. Almedina, 2004, p. 152 – 167;

 

Patrícia Ganhão, n.º 21128



[1] PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente. Almedina, 2004, p. 154;
 

Regime de Avaliação de Impacte Ambiental: algumas dúvidas

Da dispensa do procedimento de AIA
O art. 4.º do Regime da Avaliação de Impacte Ambiental (RAIA, Decreto-Lei n.º 151-B/2013 de 31 de Outubro), prevê a possibilidade de dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA), por parte dos ministros competentes (decisão conjunta do membro do Governo responsável pela pasta do Ambiente e do membro do Governo responsável pela pasta relacionada com o projecto), em “circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas” (n.º 1). Impõe-se saber, por isso, o que serão “circunstâncias excepcionais”.
Na doutrina, o Professor Vasco Pereira da Silva tem sido muito crítico desta disposição normativa, defendendo que “casos excepcionais” podem ser todos, sendo a letra da lei muito abrangente. O Prof. Vasco Pereira da Silva critica a norma, argumentando que: esta confere uma grande amplitude das margens de apreciação e de decisão, ou de discricionariedade, da Administração; e não existiu uma maior densificação do conceito de excepcionalidade, estabelecendo critérios para a sua verificação e remetendo para o juízo das autoridades administrativas, tanto a apreciação de tais circunstâncias, como a determinação das medidas a adoptar, com as consequentes dificuldades quer para a tarefa de concretização da lei pela Administração, quer para o seu controlo pelos Tribunais. O citado autor defende, por isso que, sem ter que se afastar a discricionariedade, deveriam ter sido detalhadas as circunstâncias e as condições que poderiam dar lugar à dispensa de procedimento. Ademais, não parecerá razoável que, por iniciativa do proponente, com base num simples requerimento, ainda que devidamente fundamentado e perante uma situação excepcional, aquele possa pedir a dispensa do procedimento de AIA. Por essa razão, o Prof. Vasco Pereira da Silva defende que se deveria exigir sempre ao proponente, pelo menos, a apresentação de um estudo de impacte ambiental (EIA), de modo a permitir à Administração estar em melhores condições de tomar uma decisão acertada, quer quanto à dispensa, quer quanto a eventuais medidas de salvaguarda ambiental. Ou também podemos considerar que fará todo o sentido, sob pena de se gerar uma situação paradoxal, que a dispensa deveria ser feita depois do estudo de AIA, para que os Ministros tivessem, assim, uma base técnica maior e mais bem informada em que pudessem assentar essa dispensa. Todavia, ao mesmo tempo, depois do estudo de AIA também não havia já nada para dispensar!
Posição pertinente é também a da Prof.ª Carla Amado Gomes, que refere que este subprocedimento constitui um desvio ao princípio da prevenção (o que levou a uma Comunicação da Comissão Europeia, Clarification of the application of article 2(3) of the EIA directive, de 2006[1]), enumerando algumas considerações críticas: que a letra do n.º 1 do art. 4.º é demasiado ampla, constituindo uma espécie de norma habilitante em branco, sendo difícil o controlo do exercício desta competência, sem quaisquer referências exemplificativas, salvo erro manifesto; que a desnecessidade de apresentação do EIA, vem contra o princípio de que é o proponente que deve demonstrar a ausência de impactos relevantes associados ao projecto, remetendo para a Administração a carga da aferição dos riscos que aquele eventualmente envolve; a não existência de um momento de contraditório público, contraria abertamente a lógica de participação que envolve a AIA; e, por fim, o parecer da autoridade da AIA no qual se encontrará a referência a medidas de minimização a adoptar pelo proponente (art. 4.º n.º 4 RAIA), bem como eventuais formas de avaliação diversas da avaliação de impacto, que não é vinculante para os membros do Governo que emitirão a decisão de dispensa.
Por último, o Dr. Jorge Pação enuncia uma posição interessante na análise que faz desta possibilidade de dispensa, invocando o princípio da imparcialidade, que se assume como critério legal de controlo de que a decisão foi, apenas e só, tomada tendo como fundamento interesses juridicamente relevantes e protegidos face ao projecto em causa, e não outros que fogem à ponderação legalmente exigida e permitida. Tendo em conta este princípio, nos momentos de maior discricionariedade, o princípio da imparcialidade deve ser especialmente preservado. Para além da aplicação desse princípio, destaca a distinção entre actos de condução política e actos de administração a cargo do Governo, que podem acabar por criar “interferências” e dificuldades de diferenciação material entre “governo” ou política e administração.
Poderemos assim concluir, com o auxílio das 3 posição supra referidas, que estaremos perante 3 grandes vectores que devem ser respeitados para aplicação do procedimento de dispensa de AIA: o primeiro, é que deverá haver uma maior densificação dos critérios para a sua aplicação, o que poderá passar, numa próxima revisão do Regime de Avaliação de Impacte Ambiental, pela transposição dos critérios enunciados na Comunicação da Comissão Europeia; em segundo, que os princípios gerais da Administração Pública devem ser sempre respeitados, como é o caso do Princípio da Imparcialidade, mas também os Princípios da Proporcionalidade, Adequação e Informação, na medida tomada, que deve ser sempre fundamentada; por último, a necessidade de que o proponente apresente um EIA fará todo o sentido, desde que também esteja assegurado o princípio do contraditório dos interessados a ser tomado em conta na decisão conjunta dos Ministros, salvo estarmos perante um caso urgente (que poderá dar lugar a uma “dispensa provisória”?), hipótese em que poderão os interessados ser ouvidos posteriormente, por se tratar de um requisito essencial de interesse público e pedra basilar do Direito Administrativo.

Do eventual "condicionamento" na emissão de DIA desfavorável
No regime da AIA, podem ser emitidas Declarações de Impacte Ambiental (DIA), favoráveis, favoráveis condicionadas e desfavoráveis. As duas primeiras são competência da Autoridade de AIA[2], enquanto que a última é da competência do Ministro do Ambiente (caso a Autoridade de AIA considere existir fundamento que justifique a emissão de DIA desfavorável). Ou seja, se a Autoridade de AIA quiser viabilizar o projecto, a ela caberá emitir uma DIA favorável ou favorável condicionada. Quanto à emissão de DIA desfavorável, como previsto no art. 16.º n.ºs 7 e 8 do RAIA, tem sido controvertido na doutrina saber se o Ministro, efectivamente, estará vinculado à emissão de DIA desfavorável, quando a Autoridade de AIA assim o considere (por entender que o projecto comportará impactos ambientais negativos, p. ex.).
O Professor Tiago Antunes explica que, quando “chega” ao Ministro, tratando-se de uma DIA desfavorável, esta “chega” apenas para este emiti-la desfavoravelmente (pois o Ministro encontra-se vinculado), o que implica que teremos um subalterno (a Autoridade de AIA), a decidir previamente ou a condicionar a decisão do Ministro (no fundo, a instrumentalizá-lo). Poderemos assim ter uma violação do princípio da legalidade da competência (art. 29.º do CPA), por a prática de um mesmo acto poder pertencer a diferentes órgãos, consoante o respectivo sentido de decisão. Argumenta por isso o autor, que esta medida se trata de uma “aberração jurídica”, defendendo que o Ministro não estará vinculado à proposta da Autoridade de AIA, não estando vinculado às escolhas dos técnicos/serviços (embora os tenha que ter em conta), podendo decidir de forma diferente. Conclui o autor que, para além de não ser certo que o Ministro esteja impedido de viabilizar o projecto, também não é líquido que a competência para a emissão de DIAs favoráveis esteja atribuída em termos exclusivos à Autoridade de AIA.
O autor extrai ainda, através do artigo 25.º n.º 3 do RAIA que, sendo o Ministro competente para alterar uma DIA favorável, por maioria de razão também o será para emitir, se assim o quiser, uma DIA favorável desde o momento inicial. Enfim, o Ministro nunca ficará obrigado a seguir um parecer desfavorável dos técnicos/serviços: mesmo que se admita que este não tem competência para praticar uma DIA favorável, ele poderia sempre decidir não praticar o acto proposto, remetendo o processo de novo à Autoridade de AIA para que fosse esta a actuar, emitindo uma DIA favorável.

O Prof. Rui Tavares Lanceiro defende também que, apesar do Ministro apenas ter competência para emitir a DIA no caso de esta ser desfavorável, este pode sempre fazer uma apreciação diferente dos elementos constantes do processo e dos impactes ambientais em causa, emitindo uma DIA favorável, ou favorável condicionada. Acrescenta ainda que, do regime legal, não se extrai nenhum sentido vinculado da decisão do Ministro pela proposta da Autoridade de AIA e que, tal é corroborado, pelo facto do membro do Governo ser superior hierárquico desta. Assim, o Ministro terá liberdade para emitir qualquer um dos 3 tipos de DIAs, embora tal não o exime de um dever de fundamentação agravado ou qualificado para afastar o juízo técnico da Autoridade de AIA.
Por seu lado, a Professora Carla Amado Gomes faz uma interpretação no sentido de que o Ministro não se encontra vinculado à proposta de emissão de DIA desfavorável da Autoridade de AIA, embora defenda que o membro do Governo deveria estar condicionado a esse sentido negativo da DIA. Argumenta a autora que, se assim não for, a emissão da DIA por parte do Ministro estará vulnerável, expondo-a a possível sindicância por parte de autores populares e possivelmente sustentada em motivações políticas e anti-ambientais, mistura que, corporizada na mesma decisão, se lhe afigura paradoxal. Ou seja, no fundo a autora sustenta que o Ministro deve estar vinculado à referida proposta, emitindo uma DIA desfavorável.
Em suma, existem posições diferentes que se retiram prima facie da interpretação que se faça da letra da lei. Analisando o elemento literal, o art. 16.º n.º 7 ao referir-se a “respectiva proposta de DIA” quer dizer isso mesmo: uma proposta. Assim, sendo proposto ao ministro um certo sentido para a emissão da DIA, este decidirá da forma que melhor entender e, por isso, conclui-se que não está vinculado a emitir uma DIA desfavorável. Todavia, o regime, apesar de não ser perfeito, pretende acautelar todas as hipóteses: como refere o Dr. Jorge Pação, decorrente do princípio da imparcialidade (de garantias de imparcialidade e isenção), pergunta-se qual deve ser o efectivo papel do Ministro no procedimento; a Prof.ª Carla Amado Gomes também, indirectamente, acaba por levantar essa questão (quanto às motivações “exteriores” de que pode o Ministro ser alvo, ou até das suas próprias convicções políticas); no fim, o ministro só decidirá (é o que expressamente se encontra consagrado no art. 16.º), quanto a decisões desfavoráveis e não quanto a decisões favoráveis. Ora, qual terá sido o critério do legislador? É que, se bem virmos, se o Ministro serve para decidir pela emissão ou não emissão de DIAs desfavoráveis, por maioria de razão também o deveria fazer para as DIAs favoráveis (argumento que se pode achar na posição do Professor Tiago Antunes). Assim, o mesmo regime deveria ser aplicado não apenas a DIAs desfavoráveis, mas também quanto às DIAs favoráveis: no fundo, o membro do governo responsável deveria sempre apreciar uma proposta favorável, favorável condicionada ou desfavorável submetida pela Autoridade de AIA. Só assim haveria um efectivo equilíbrio de “poderes”: sem pôr excessivamente em causa a isenção e imparcialidade do Ministro ou membro do governo responsável, todos os intervenientes no processo de emissão da DIA teriam uma palavra a dizer, ainda que a decisão final coubesse ao Ministro. O crivo do Ministro funcionaria (como aliás, deve funcionar), apreciando todo o procedimento que precede a emissão da DIA, funcionando por isso como mais uma garantia de imparcialidade e isenção na decisão, tomando ainda outros factores em consideração que não especificamente técnicos: não é prejudicial, mas sim enriquecedora do procedimento e garantia de uma decisão mais “equilibrada”, porquanto o Direito do Ambiente não é hermético.

Bibliografia:

- ANTUNES, Tiago
2013: A Avaliação de Impacto Ambiental e o Princípio da Imparcialidade, in e-book “Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental” do ICJP de 30 de Outubro de 2013, coord. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, disponível em http://icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf, pp. 228-231

- GOMES, Carla Amado
2014: Introdução ao Direito do Ambiente, 2ª ed., AAFDL, Lisboa, pp. 148-150, 155-157

- LANCEIRO, Rui Tavares
2013: A Avaliação de Impacto Ambiental e o Princípio da Imparcialidade, in e-book “Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental” do ICJP de 30 de Outubro de 2013, coord. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, disponível em http://icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf, pp. 192-196

- PAÇÃO, Jorge
2013: A Avaliação de Impacto Ambiental e o Princípio da Imparcialidade, in e-book “Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental” do ICJP de 30 de Outubro de 2013, coord. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, disponível em http://icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf, pp. 72-95

- SILVA, Vasco Pereira da
2005: Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, pp. 153-158, 162





[1] Importa referir os critérios enunciados na Comunicação para concessão da dispensa:
“2.9 For a case to be considered as exceptional and qualify for the exemption all the
following criteria would normally need to be met:
• an urgent and substantial need for the project;
• inability to undertake the project earlier;
• inability to meet the full requirements of the Directive.
2.10 The need for the project would have to be such that failure to proceed with it
would be likely to present a serious threat, for example to life, health or human welfare;
to the environment (e.g. contamination of land, water or air, or flooding); to political,
administrative or economic stability; or to security. (…)
2.11 The exemption would generally be justified only if the emergency which gave rise
to the project could not have been foreseen, or if it could have been foreseen but the
project could not have been undertaken earlier. (…).
2.12 As indicated in paragraph 2.8 above, the circumstances of an exceptional case must
be such as to make compliance with all the requirements of the Directive impossible or
impracticable, for example where a development needs to be approved and completed
so quickly that there is insufficient time to prepare all the environmental information
required under Article 5(1), or to conduct a public consultation exercise prior to the
decision to proceed with it.”.
[2] Que pode ser, como refere o art. 8.º n.º 1 do RAIA, a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA) ou uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).


Filipe Braz Mimoso, n.º 21121
Análise comparativa do nexo de causalidade no Código Civil e no Decreto 147/2008.


1. O nexo de causalidade no Código Civil[1]:



O que se exige, no direito civil, relativamente ao nexo de causalidade é que: entre a violação ilícita e culposa de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção e o dano ocorrido, deve haver certa relação.

Essa certa relação pode ser determinada através de varias teorias.Tem merecido o apoio generalizado dos autores, a doutrina da causa adequada. Esta orientação parte da ideia de conditio sine qua non: o nexo de causalidade de determinado dano estabelece-se sempre em relação a um evento que, a não ter ocorrido, levaria à inexistência de dano. Isto é: se mesmo sem evento houvesse dano, haveria que procurar a sua causa em nível diferente.

O nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil: opera, como filtro negativo, segundo a teoria da conditio sine qua non: se o facto ilícito foi indiferente para a produção do dano, não há como imputá-lo ao agente. Pela positiva, haverá que formular um juízo humano de implicação: dadas as condições existentes, era compaginável, para a pessoa normal, colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado razoavelmente provável ou, simplesmente, possível, a produção do dano. A “pessoa normal” é uma pessoa social, integrada no meio onde o problema se ponha. Temos aqui a ideia de adequação.

Mas também não chega: a causalidade pode não ser “socialmente adequada” mas ter sido voluntariamente montada para se conseguir, ainda que por via anómala, o resultado. Temos então a causalidade provocada.

Progredindo, o elemento decisivo para fixar a causalidade será o escopo da norma violada. Em síntese, a causalidade, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, vai desenvolver-se em 4 tempos:

i. Teoria da conditio sine qua non;

ii. Teoria da causalidade adequada, em termos de normalidade social; ou

iii. Provocada pelo agente, para obter o seu fim;

iv. Consoante com os valores tutelados pela norma violada.

De acordo com as regras da responsabilidade civil, o lesado tem que provar, para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil: a criação ou aumento do risco pelo agente e a materialização no resultado lesivo. O que já não acontece na responsabilidade civil ambiental como iremos ver infra.




2. O nexo de causalidade à luz do Decreto-lei 147/2008:


A exigência do nexo de causalidade encontra-se prevista no art. 5º do Decreto-lei n.º 147/2008 (doravante Decreto). É importante, desde já, esclarecer que a determinação do nexo causal na responsabilidade civil ambiental é bastante mais difícil (quer se trate de responsabilidade subjectiva, objectiva, por danos ambientais ou ecológicos) do que na responsabilidade meramente civil: o dano ambiental, os seus agentes e quais as consequências podem ser, por vezes indetermináveis ou o fosso temporal entre a causa do dano e a verificação pode variar muito. A Professora Ana Perestrelo de Oliveira[2] escreve, apesar de excluir, a hipótese de uma possível dispensa do nexo de causalidade tal como, nos casos de responsabilidade objectiva acontece com a culpa, mas tal como referi isto não acontece porque poderia, em ultimo caso, implicar a transferência do dano para uma esfera jurídica distinta daquela em que se produziu o dano.

A regra presente no Decreto, mais concretamente no art. 5º, que é aplicável às varias modalidades de responsabilidade civil ambiental, determina que “ a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada (..)” .

As diferenças quanto ao regime do nexo de causalidade do Código Civil começam já aqui. Neste tipo de responsabilidade civil a imputação da causa ao dano faz-se, como foi explicado supra, através do recurso a varias teorias sendo que, todas elas, assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é impossível no domínio ambiental. Por isso, há quem seja da opinião que “ a imputação objectiva deve assentar antes, na ideia de conexão do risco: o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado/aumentado o risco da verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado no resultado.”[3]. Esta solução seria, à primeira vista boa, contudo, estamos já no tema da prova e não do nexo de causalidade. Mas, como será explicado adiante, estes temas vão andar “ de mãos dadas”.

O art. 5º determina expressamente que a apreciação de prova assenta num critério de probabilidade. Mas, na visão de Ana Perestrelo de Oliveira, esta regra não pode ser interpretada assim pois, perderia toda a sua utilidade porque, independentemente de essa probabilidade se encontrar expressamente prevista no artigo, ou não, seria sempre relevante para a formação da convicção do juiz sobre a verificação do nexo causal. O legislador, neste caso, pretendeu ir mais longe de maneira a aligeirar o próprio grau de prova do nexo causal, passando a ser apenas exigível a probabilidade, como até já acontecia noutros ordenamentos.

Este regime de prova, no nosso ordenamento[4], só encontrará paralelo, possivelmente, com o regime das providências cautelares. Não há dúvidas que, com o regime do código civil não encontra, com certeza, paralelo algum.

A conclusão que a Professora retira da solução dada ao problema da dificuldade de prova no âmbito ambiental é que “ tem, ao menos, a virtude de efectivamente facilitar a prova do nexo causal, permitindo que a responsabilidade civil permaneça como instrumento útil e operativo de tutela do Ambiente.” Pois, caso contrário se o nível de exigência, da prova do nexo causal, fosse idêntico ao da responsabilidade do código civil este instituo não teria qualquer utilidade até porque, a dificuldade de identificação do dano (ambiental) do seu agente, e quais as consequências são de difícil individualização.

Diferentemente do que sucede com a responsabilidade civil diga-se geral, e como foi explicado infra, na responsabilidade civil à luz do Decreto, à vítima apenas é exigido que prove a "verosimilhança e a probabilidade de o facto ser apto a causar a lesão, tendo em conta as circunstâncias do caso".  Apesar de ser discutido de qual o sentido que o legislador quis dar ao referir "verosimilhança e a probabilidade" o significado é praticamente idêntico e, a meu ver, não faz sentido a discussão e que poderá ter sido uma falha de escrita do legislador. Seguindo então este entendimento e, considerando que as palavras tem o mesmo significado, o grau de convicção exigido para provar o nexo de causalidade terá que ser seria, razoável ou predominante, caso contrário violaria as garantias do Estado de Direito.

Outro reparo que é necessário fazer é que, o artigo 5º, reclama a "probabilidade de o facto lesivo ser apto a causar a lesão verificada", o que é bem diferente de se requerer a probabilidade de o facto lesivo ter causado a lesão verificada. Esta exigência é uma inovação do legislador português. Este optou por um aligeiramento da medida da prova, porque, é uma coisa bem diferente exigir a probabilidade de o facto ter causado o dano ou de o facto ser apto a causar o dano.

Resumindo e concluindo, tudo o que o lesado tem que provar, para que haja responsabilidade, é a probabilidade de determinada instalação ser apta a causar o dano. Feita essa prova, com a entrada em vigor deste Decreto, presume-se que o rico se materializou no resultado. E o agente, por seu lado, pode contra-provar a probabilidade do risco e ainda fazer a prova negativa da materialização do risco no resultado lesivo, demonstrando que, apesar da criação do risco ser provável, não foi esse risco que se materializou no resultado.











[1] In, Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, Tomo III.

[2] In, A Prova do nexo de causalidade na lei da responsabilidade, Cadernos O Direito 6 (2011).

[3] Idem.

[4] Que foi reclamado por autores como Cunhal Sendim e Colaço Antunes.






Bibliografia:


  • SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Ambiente;

  • SILVA, Vasco Pereira da, Ventos de Mudança no Direito do Ambiente, Lições de Direito do Ambiente, 2002;

  • OLIVEIRA, Ana Perestrelo, A Prova do nexo de causalidade na lei da responsabilidade ambiental;

  • GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012;

  • GOMES, Carla Amado, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009;

  • CORDEIRO, António Menezes, Direito das Obrigações, Tomo III;




Assunção Correia de Matos, 
aluna nº 20970.

A nova Lei de Bases do Ambiente - Lei nº 19/2014 de 14 de Abril

Pouco, ou muito pouco, se escreveu sobre a nova lei de base do ambiente. Vamos tentar, com os nossos parcos conhecimentos em Direito do Ambiente, fazer uma breve análise das alterações que advieram deste novo diploma, fazendo uma curta introdução à Lei de Bases do Ambiente (LBA) portuguesa.


Mais do que 1976, ano de entrada em vigor da Constituição e do seu artigo (ambiental) 66º, o ano de 1987 constitui o ponto de partida formal para a construção da estrutura regulatória ambiental em Portugal. É com a aprovação da Lei de Bases do Ambiente que se lançam as fundações necessárias às múltiplas ramificações, funcionais e sectoriais, posteriores.[1]
A LBA surge por força do art. 165/1/g da CRP, e aparece como uma tentativa inovadora de «sistematização e de enquadramento de toda essa regulação jurídica difusa do domínio ambiental, procurando lançar as bases para o futuro Direito do Ambiente»[2]. Os propósitos da lei são os melhores: criar traves mestras e princípios orientadores para legislar em matéria de ambiente. A LBA, sendo um instrumento jurídico de maior importância, de pouco servirá sem a necessária legislação complementar.[3]  Mas a nova lei (1987) pecou por excesso. Quis o legislador concretizar em demasia instrumentos que seriam da competência de diplomas especiais, de certa forma, quis incluir em sede própria, a concretização para a qual deveria remeter.
No entanto, a LBA foi consumida pelas directivas europeias. Nos últimos anos, o aumento das preocupações ambientais, consubstanciou-se num incremento das políticas legislativas para combater esses problemas. Assim, correu-se o risco da LBA de pouco, ou nada, servir, dado que não seria, certamente, a LBA portuguesa a orientar o legislador europeu. Exemplo desta contradição será o art. 30º da antiga LBA, que trata a existência de estudos de impacte ambiental, só que essa norma está completamente vazia de conteúdo quando se verifica que a concretização da mesma está presente no DL 69/2000, de 3 de Maio, que surge por via europeia e que não se compatibiliza com a regra geral da LBA.
A LBA «foi importante, na altura e durante algum tempo, mas hoje em dia é praticamente “letra morta”»[4]. Partindo, provavelmente, deste pressuposto, o legislador concluiu pela necessária revisão da LBA , que iremos analisar de seguida.
Rever a Lei de Bases do Ambiente, hoje, deve significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos, relativamente às matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de acção das políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares, não mais do que isso. Rever a lei de bases para fazer outra lei igual à que já existe, não vale a pena, seria meramente “simbólico” ou “decorativo”, na linha daqueles autores que (de forma crítica) falam na “função artística” dos conceitos jurídicos.[5] Vejamos se “deram ouvidos” a Vasco Pereira da Silva[6].
Contrariamente ao que aconteceu em 1987, não se tratou de um diploma de consenso político (na altura só o CDS votou contra). Na nova lei, toda a oposição votou contra. O Partido Socialista especificou as críticas, dizendo que a nova lei abre uma porta para a privatização da água.[7]
A Nova LBA caracteriza-se por uma significativa simplificação e sistematização em comparação com a anterior lei, adaptando-se à legislação publicada nas últimas décadas e actualizando conceitos, princípios e instrumentos da política de ambiente. A mudança começa, desde logo, pelo número de artigos: na antiga eram 52, enquanto na nova são 24.[8] Esta alteração torna o diploma mais acessível, diploma esse que traz sobretudo conceitos e quase nenhuma norma.
Nos termos da nova lei (art. 2º), a política de ambiente, cuja realização compete ao Estado, visa a efectivação dos direitos ambientais através da promoção do desenvolvimento sustentável, suportada na gestão adequada do ambiente, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e uma “economia verde”, racional e eficiente na utilização dos recursos naturais, que assegure o bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos cidadãos. O direito ao ambiente, outrora no art.2º, está patente no novo art.5º, desta vez concretizado no seu nº2.[9] Passa a estabelecer-se, expressamente (art. 6º), que todos os cidadãos gozam dos direitos de intervenção e de participação nos procedimentos administrativos relativos ao ambiente, em especial o direito de participação dos cidadãos, das associações não-governamentais e dos demais agentes interessados, em matéria de ambiente – art.6º/2/a; e o direito de acesso à informação ambiental detida por entidades públicas – art.6º/2/b.
Estipula-se – art. 8º – que o direito ao ambiente é indissociável do dever de o proteger, de o preservar e de o respeitar, numa perspectiva de futuro, pensar em ambiente como algo a conservar. Introduz-se assim o conceito de dever ambiental. No nº2 do art.8º aparece uma nova noção – a de cidadania ambiental – que consiste no dever de contribuir para a criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e, na óptica do uso eficiente dos recursos e tendo em vista a progressiva melhoria da qualidade vida, para a sua protecção e preservação.
A LBA de 1987 identificava, com precisão, os instrumentos que o país devia ter para orientar a sua política de ambiente, e fixava prazos para a sua regulamentação, o que já não acontece na nova LBA, dizendo apenas, no seu art.12º (sob a epigrafe – execução da política de ambiente) que «a política de ambiente deve estabelecer legislação específica para cada um dos componentes identificados nos artigos anteriores, consentânea com as políticas europeias e internacionais aplicáveis em cada domínio, com vista à definição de objetivos e à aplicação de medidas especificas».
No capítulo V aparecem os instrumentos da política de ambiente (Capítulo IV da antiga LBA) que sofreram uma revisão , encontrando-se agora organizados em 7 categorias:
i) Informação ambiental (conhecimento e informação disponíveis, monitorização e recolha de dados);
ii) Planeamento (estratégias, programas e planos);
iii) Económicos e financeiros (instrumentos de apoio financeiro, de compensação ambiental, contratuais, de fiscalidade ambiental, de prestações e garantias financeiras e de mercado);
iv) Avaliação ambiental (prévia à aprovação de programas, planos e projectos, públicos ou privados);
v) Autorização ou licenciamento ambiental (actos permissivos prévios a actividades potencialmente ou efectivamente poluidoras ou susceptíveis de afectar significativamente o ambiente ou a saúde humana);
vi) Desempenho ambiental (melhoria contínua do desempenho ambiental, designadamente a pegada ecológica, a rotulagem ecológica, as compras públicas ecológicas e os sistemas de certificação);
vii) Controlo, fiscalização e inspecção (controlo de actividades susceptíveis de ter um impacto negativo no ambiente). 




A lei entrou em vigor e parece que, de imediato, nada mudou. No entanto, é nossa opinião que a actual lei cumpre de uma forma mais eficaz os propósitos de uma Lei de Base. Recordando as palavras de Vasco Pereira da Silva, uma Lei de Base do Ambiente deve significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos, relativamente às matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de acção das políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares. A lei actual toca em conceitos, problemas e instrumentos actuais que não tinham a mesma importância em 1987, como as alterações climáticas, a sustentabilidade, a fiscalidade verde, a pegada ecológica ou os serviços dos ecossistemas. Aspecto peculiar é o de, a nova lei não conter uma única vez o verbo proibir. Princípios com os quais estamos bastante familiarizados, tais como o de poluidor-pagador, utilizador-pagador ou da precaução, agora contam da LBA, prevendo-se "a aplicação de taxas, preços ou tarifas com vista a promover a utilização racional e eficiente dos recursos ambientais" (art.17º/2/c

                 Vasco Pereira da Silva[10] tem uma «posição claramente favorável à codificação tanto da parte geral como das partes especiais de Direito do Ambiente (ambas igualmente necessárias e urgentes, ainda que, de uma perspectiva prática, talvez fosse mais fácil começar pela parte especial), de modo a permitir elaborar e tornar acessíveis os “mapas do tesouro” que permitam a todos os interessados orientar-se na “selva” da legislação ambiental». Depois de uma revisão à LBA, e continuando a importância dos temas ambientais, poderemos, eventualmente assistir, dentro de pouco tempo, ao aparecimento de um Código do Ambiente, mas isso, já serão contas de outro rosário.


Paulo Cunha Matos
nº20429



[1] Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, p.79
[2] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, In: Actas do Colóquio: A Revisão da Lei de Bases do Ambiente, p. 9
[3] António Capucho na sua declaração de voto aquando da votação em 1987
[4] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, p. 12
[5] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, p. 13
[6] Contrariamente a esta posição de revisão, mostrou-se a Liga para a Protecção da Natureza que, no seu parecer sobre a proposta de lei, critica «a intenção clara de resumir, e simplificar o texto da lei em vigor, configurando-se dessa forma uma potencial desregulamentação da política pública de ambiente em Portugal. O carácter simplista, vago e desresponsabilizante de algum do conteúdo da actual proposta retira-lhe substância, coloca em dúvida a sua solidez enquanto Lei de Bases, priva a proposta da eficácia que se lhe exige e não permite que venha a desempenhar o papel didáctico e conciliador que a lei actual promove.» disponível em: http://www.lpn.pt/Backoffice/UserFiles/menu_lpn/Parecer%20Lei%20Bases%20do%20Ambiente.pdf
[7] http://www.tvi24.iol.pt/politica/seguro-antonio-jose-seguro-aguas-ps-lei-de-bases-ambiente/1536326-4072.html
[8] Verifica-se, desta forma, uma diminuição do número de páginas, de 12 para 5.
[9] Art.5º/2: O direito ao ambiente consiste no direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.
[10]  Silva, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito, p. 43