sexta-feira, 16 de maio de 2014

Portugal, um país nuclear?

O que é a Energia Nuclear?

Energia Nuclear é o nome genérico que se utiliza para denominar a energia que resulta de qualquer processo de transformação da constituição de núcleos atómicos – reacção nuclear. Nesta reacção nuclear ocorre uma transformação de massa em energia (Principio da Equivalência de Massa-Energia de Albert Einstein).
Existem dois processos que permitem o aproveitamento de energia nuclear por conversão em calor:
  • ·            A Fissão Nuclear – utilizada nas centrais nucleares actuais – que é o processo de obtenção de energia pela desintegração de um átomo de um elemento pesado (urânio, plutónio ou tório). Este fenómeno não ocorre espontaneamente na Natureza – é provocado em instalações controladas e em condições de segurança absolutas;
  • ·         A Fusão Nuclear – união de, pelo menos, dois núcleos de átomos leves (hidrogénio, hélio) para a formação de elementos mais pesados (processo responsável pela produção da energia do Sol).

A tecnologia nuclear actual permite-nos controlar as reacções nucleares de fissão, de modo a que a energia seja libertada de forma gradual sob a forma de calor, e que este possa ser aproveitado como uma fonte de energia. Este calor é usado para ferver água de modo a produzir vapor, que por sua vez accionará uma turbina, gerando energia eléctrica.
A energia obtida das reações nucleares é uma energia de baixo custo (apesar do alto investimento inicial e manutenção) e que se obtém sem a libertação de gases poluentes (não contribui para o “efeito de estufa”, nem “chuvas ácidas”) sendo este um dos argumentos mais favoráveis à sua utilização quando comparada à energia obtida pelos combustíveis fosseis.
As desvantagens da sua utilização estão relacionadas com os riscos de acidente nas centrais nucleares e com a formação de resíduos nucleares radioactivos, que podem provocar danos impressionantes e irreversíveis à população e ao meio ambiente, destruindo ou desequilibrando ecossistemas (ex. Chernobyl e Fukushima),e também a possibilidade da sua utilização para fins bélicos (fabrico de bombas atómicas - armas nucleares).
Além disso, sendo uma energia não renovável, os recursos utilizados para a sua produção (urânio) são finitos e esgotáveis.





A Comunidade Europeia da Energia Atómica

A Comunidade Europeia da Energia Atómica, também conhecida por Euratom ou CEEA, foi criada a 25 de Março de 1957 juntamente com a Comunidade Económica Europeia (CEE) pelo Tratado de Roma, assinado pela Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo, e entrando em vigor a 1 de Janeiro de 1958.
O Tratado de Maastricht, em 1993, criou a União Europeia (UE), absorvendo as Comunidades Europeias. A CEEA não se fundiu com a UE, mantendo a sua personalidade jurídica distinta, ainda que partilhando as mesmas instituições.
O Tratado Euratom contém 234 artigos divididos em seis títulos precedidos de um preâmbulo. O número de artigos foi reduzido para 177 desde a assinatura, a 13 de Dezembro de 2007, do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia. O Tratado modifica certas disposições do Tratado Euratom, que se limitam, sobretudo, aos domínios institucional e financeiro.
Os diferentes capítulos do Tratado Eurotam abordam o desenvolvimento da investigação, a difusão dos conhecimentos, a protecção sanitária e os investimentos no domínio da energia nuclear, e também a formação de empresas comuns, o aprovisionamento da Comunidade em minerais, o controlo da segurança, o mercado comum nuclear e as relações exteriores.[1]
Em suma, os principais objectivos da EUROTAM são os que constam do art.2º do Tratado[2].

Energia Nuclear no mundo

A energia nuclear é uma realidade bastante presente nos dias de hoje, até 2025 a energia de origem nuclear, com os planos actuais e que poderão vir a ter grande incremento proximamente, crescerá 130%. Sofre, porém, de um estigma ideológico no Ocidente e sobretudo na Europa Ocidental não-francesa que distorce a noção que por cá se tem do assunto, tornando-o um tabu. De acordo com dados de 2006 do Eurobarómetro, 55% dos cidadãos da EU estão contra o uso da energia nuclear, enquanto só 37% estão a favor. No entanto, 38% dos que estão contra indicaram que mudariam de opinião caso se resolvesse o problema dos resíduos radioactivos. Ou seja, se essa situação fosse resolvida, 58% dos cidadãos europeus estariam a favor da utilização de energia nuclear[3].
             Hoje, cerca de 15 % da electricidade mundial é produzida através de energia nuclear, existindo cerca de 450 centrais nucleares.[4] Importa referir que na Europa há países, mais concretamente a França, que obtém cerca de 75% da sua electricidade da energia nuclear. E Portugal? Consumirá energia nuclear? Espante-se o leitor quando lhe dissermos que sim. É verdade que não se trata de um consumo directo, na medida em que uma parte significativa da electricidade da nossa rede é produzida através de energia nuclear: 15 % da energia eléctrica consumida anualmente em Portugal é importada de centrais nucleares espanholas.



 Energia Nuclear em Portugal

Vai já longa a história portuguesa quanto à energia nuclear[5]. É certo que, em termos materiais, todo o avanço e procura ao nível do nuclear se consubstanciou (quase) exclusivamente na construção do reactor nuclear experimental de Sacavém[6], em 1961. O mesmo não se passou a nível legislativo. Actualmente é impossível saber-se com precisão qual o Direito em vigor neste sector.[7]
Temos, no nosso ordenamento jurídico[8] mais de uma centena de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexistente no país. Somos ainda membros de praticamente todos os acordos e convenções internacionais sobre a matéria em causa. Parece assim que o nosso país prefere prevenir e ter o espaço jurídico preparado para uma eventual aposta na energia nuclear.
Portugal é, desde 1960, parte na Convenção sobre a Responsabilidade Civil no domínio da Energia Nuclear para harmonizar a legislação em matéria de energia. Esta convenção estabelece o regime da responsabilidade civil por danos nucleares, nos termos do qual os operadores ficam obrigados a indemnizar terceiros por danos causados por qualquer acidente nuclear.
A Convenção da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa sobre Avaliação de Impacte Ambiental num Contexto Transfronteiriço Convenção de Espoo de 1991 estabelece as obrigações das partes quanto aos requisitos exigidos pela AIA prévia à tomada de decisão de diversos projectos entre os quais, naturalmente, uma central nuclear. Estabelece também as obrigações dos Estados quanto à participação do público afectado por projectos transfronteiriços que possuam um impacto ambiental significativo
Em 1994, foi assinada a Convenção sobre Segurança Nuclear com o objectivo de estabelecer as regras aplicáveis ao licenciamento de instalações nucleares à inspecção regulamentar e à avaliação das mesmas. Mais recentemente foi publicada a Parla Directiva n °2004 35 CE do mento e do Conselho Europeus de 21 de Abril de 2004 que aprovou com base no princípio do poluidor pagador o regime relativo à responsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos danos ambientais com a alteração que lhe foi introduzida pela Directiva n °2006 21 CE do Parlamento Europeu e do Conselho. A Directiva prevê a obrigação de colaboração sempre que um dano ambiental afecte ou seja susceptível de afectar outro Estado membro e ainda o dever de reparação desse dano ambiental.
            Apesar de Portugal não ter centrais nucleares, tem pessoas treinadas na utilização da tecnologia, o que permite integrar grupos de trabalho na União Europeia que definem legislação que regula a produção de Energia Nuclear.


O problema de “nuestros hermanos”

Os governos português e espanhol assinaram, em 1980, o Acordo Luso-Espanhol de Segurança de Instalações Nucleares de Fronteira e respectivo protocolo, que regulamenta a colaboração em caso de um acidente nuclear junto da fronteira destes dois países, limitando-se a remeter para as convenções sobre responsabilidade civil no domínio da energia nuclear a matéria de responsabilidade civil por danos nucleares

Escreve Heloísa Apolonio[9]::

Portugal, não tendo centrais nucleares, coabita de perto, todavia, com os riscos do nuclear, devido à nossa vizinha Espanha, designadamente em relação à proximidade da central de Almaraz, em Cáceres, a escassos 100 km da nossa fronteira. O risco é tanto maior quanto são já conhecidos relatórios que retratam as profundas deficiências técnicas da central nuclear de Almaraz, para além dos seus reactores já terem atingido o tempo normal de vida de infra-estruturas desta natureza (dado que o primeiro reactor começou a funcionar em 1981 e o segundo em 1983). Não obstante estas revelações e evidências, o governo espanhol deliberou, em meados do ano passado, manter esta central nuclear por mais 10 anos, renovando a sua licença de funcionamento que terminara, justamente, em 2013. Para além disto, Espanha já abriu um processo de identificação de local, também em Cáceres, a 80 km da nossa fronteira, para armazenamento temporário centralizado de resíduos radioactivos (...) Esta central nuclear "bebe" a água do Tejo e constitui uma ameaça também ao nosso território. Um acidente nos reactores de Almaraz teria consequências muito sérias para o nosso País.


A energia nuclear em Espanha
Concordamos com Mira Amaral quando diz que: «gostem ou não, já sofremos os impactos ambientais e os riscos das centrais nucleares espanholas. Para estes efeitos, estarem em Espanha ou em Portugal é indiferente, basta ver a Central Nuclear de Almaraz junto ao rio Tejo...»[10]


Parece-nos que nunca existirá consenso nesta matéria. Esta é, e sempre será uma fonte de preocupação, com maiores proporções a nível cientifico do que propriamente de direito no entanto, ensina Magalhães Collaço  que «quase nada do que é humano pode ficar estranho ao Direito, há-de o jurista alargar a sua compreensão às multímodas realidades que afectam a convivência dos homens em sociedade.»

Como pudemos constatar, Portugal não é “novo” no tema da energia nuclear, mas a solução não passará por agradar a gregos e a troianos. Por um lado, legisla-se, por outro, não se avança com nenhuma proposta concreta. Assim, pensamos estar a chegar a altura de trazer seriamente, e sem demagogias, o tema para a praça pública para existir um debate informado.
Paulo Cunha Matos
nº20429 



[2]        1. Desenvolver a investigação e assegurar a difusão dos conhecimentos técnicos;
2.Estabelecer normas de segurança uniformes destinadas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores e velar pela sua aplicação;
3. Facilitar os investimentos e assegurar, designadamente encorajando as iniciativas das empresas, a criação das instalações essenciais ao desenvolvimento da energia nuclear da UE;
4. Velar pelo aprovisionamento regular e equitativo de todos os utilizadores da Comunidade em minérios e combustíveis nucleares;
5. Garantir que os materiais nucleares civis não sejam desviados para fins diferentes daqueles a que se destinam;
6. Exercer o direito de propriedade que lhe é reconhecido sobre os materiais cindíveis especiais;
7. Promover o progresso através da utilização pacífica da energia nuclear em colaboração com os países terceiros e as organizações internacionais;
8. Garantir a ampla colocação no mercado e o acesso aos melhores meios técnicos pela criação de um mercado comum de materiais e equipamentos especializados, pela livre circulação de capitais destinados a investimentos no domínio da energia nuclear e pela liberdade de emprego dos especialistas na Comunidade;
9. Estabelecer, com outros países e com organizações internacionais, todas as ligações susceptíveis de promoverem o progresso na utilização pacífica da energia nuclear.
[3] http://ec.europa.eu/energy/nuclear/waste/doc/2006_06_nuclear_waste_update_review_en.pdf
[4] Ferro, Miguel SousaEnergia nuclear em Portugal? Uma abordagem “agnóstica”,  p. 76
[5] 1929 – Constituição da Companhia Portuguesa de Radium; 1929 – Criação (não oficial) do Centro de Estudos do Laboratório de Física em Lisboa ; 1947 – Criação do CEA – Comissariado para a Energia Atómica ;1948 – Criação de uma comissão para estudar o aproveitamento do urânio; 1952 – Início do funcionamento da CPEEN – Comissão Provisória de Estudos de Energia Nuclear do IAC – Instituto de Alta Cultura; 1956 – Adesão de Portugal à Agencia Internacional de Energia Atómica; 1954 – Criação da Junta de Energia Nuclear ; 1957 - Adesão de Portugal à Agência Europeia de Energia Nuclear da OCDE; 1968 - Governo encomenda à JEN estudos sobre a programação de uma central nuclear; 1974 - A JEN passa a fazer parte do Ministério da Indústria e Energia; 1976 – Concurso para a construção de centrais nucleares; 1978 – Festival “Pela Vida e Contra o Nuclear”  - Edição do livro “ O que é a energia nuclear: oportunidades em Portugal; 1980  -  Acordo Luso Espanhol de Segurança de Instalações Nucleares de Fronteira; 1986 – Adesão de Portugal à EURATOM;  2001 - Programa de Reabilitação Ambiental de Áreas Mineiras Abandonadas;
[6] Visita virtual ao reactor:  http://www.itn.pt/pt/visvc/pt_visvrpi.htm
[7] Ferro, Miguel SousaEnergia nuclear em Portugal? Uma abordagem “agnóstica”,  p. 89
[8] Veja-se: http://www.apambiente.pt/index.php?ref=17&subref=305&sub2ref=327
[9]Apolonia, Heloisa, Energia nuclear - uma ilusão demasiado perigosa e real, nº1716 Seara Nova
[10] Amaral, Mira As centrais Nucleares e o MIBEL , p.84 



Bibliografia:

Ferro, Miguel Sousa, Energia nuclear em Portugal? Uma abordagem “agnóstica”, disponível em http://www.icjp.pt/publicacoes/1/734

Collaço, Isabel Maria de Magalhães O risco nuclear e os problemas jurídicos que suscita  In: Arquivos da Universidade de Lisboa., Vol.3 (1961)

Borrego, Carlos,  Radioactividade e energia nuclear : verso e reverso da mesma medalha  
In: Brotéria, V. 172, Nº 5/6

Lasurtegui, Alfonso de los Santos ,Problemas juridicos de la energia nuclear


Costa, Luís, A energia nuclear no mundo e o debate em Portugal

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