sábado, 3 de maio de 2014





Regime da Responsabilidade Ambiental


Em primeira linha, cabe referir que de todos os princípios ambientais que têm ligação directa ou indirecta à responsabilidade ambiental, o princípio do poluidor pagador é considerado como o princípio fundamental inspirador deste regime.
O Regime em análise rege-se essencialmente pelo dever de prevenção e de reparação do poluidor enquanto deveres autónomos, que resultam directamente do Princípio e da lei e não dependem de qualquer ordem administrativa prévia.
Por isso se diz nos artigos 12.º e 13.º do Decreto-lei n.º 147/2008 que, “quando se verificar uma ameaça iminente de danos ambientais o operador responsável adopta, imediata e independentemente de notificação, requerimento ou acto administrativo prévio, as medidas de prevenção necessárias e adequadas”.
Feita esta nota introdutória ao regime cabe referir que as lesões ao ambiente apresentam caracteristicas especificas pela sua natureza jurídica difusa, sendo que a responsabilidade ambiental tanto pode ter uma natureza objectiva como subjectiva , sendo que no primeiro caso o agente responde pelos danos a que deu origem se tiver actuado com dolo ou negligência e no segundo caso, o agente responde pelos danos a que deu origem, ainda que tenha actuado de acordo com o nível de zelo e de diligência que lhe era exigível, ou seja o dano é imputado ao agente pelo simples facto de a actividade que este desempenha ser particularmente perigosa , entendendo-se que quem tira benefício dessa actividade deve assumir as suas consequências ( responsabilidade pelo risco) ou porque a actividade por ele desempenhada, embora lícita, sacrifica de modo especial e anormal determinados sujeitos, os quais portanto merecem uma compensação ( responsabilidade pelo sacrifício).
Estas duas modalidades encontram-se reguladas através do Regime Geral de Responsabilidade Civil assim como no RJRDA.
O RJRDA adopta portanto uma concepção alargada de responsabilidade , ou seja independente da verificação de um dano, o que encontra justificação no princípio da Prevenção supra referido, uma vez que determinadas ofensas a bens naturais podem revelar-se irreversíveis.
Este regime também confirma a ideia de que no âmbito da protecção ao Ambiente deverão impor-se determinados deveres de defesa e promoção da qualidade dos bens ambientais.
A aplicação do regime geral de responsabilidade por danos ambientais implica a aplicação dos artigos 483º e ss. do Código Civil, que estabelece um princípio genérico de responsabilidade subjectiva e exige o preenchimento dos seguintes pressupostos :
  1. A existência de um facto voluntário;
  2. A ilicitude, entendida como violação de direitos subjectivos ou de normas de protecção destinadas a proteger interesses alheios;
  3. A culpabilidade, entendida como a censurabilidade da conduta do agente;
  4. O dano;
  5. O nexo de causalidade entre o facto e o dano;
Quanto à ilicitude, mais do que a lesão de direitos subjectivos alheios, estará essencialmente em causa a violação de normas de protecção, destinadas a proteger interesses alheios.
A probatio diabólica da culpa relativamente aos casos de lesão ambiental, pode ser dispensada através do recurso à presunção do art. 493º, nº2 do Código Civil, que considera que quem exerce uma actividade perigosa se presume responsável pelos danos verificados, excepto se demonstrar que tomou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Porém, os problemas colocam-se em relação aos pressupostos do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No domínio do Direito do Ambiente a imputação dos danos gera dificuldadesuma vez que a informação é insuficiente, pode ocorrer o fenómeno de causalidade alternativa, assim como processo poluente prolonga-se no espaço e no tempo entre outros factores que tornam difícil a imputação.

Para dar solução a estes problemas o Decreto-lei nº 147/2008 de 29 de Julho, que deve ser conjugado com o regime previsto no código civil, estabeleceu no  seu artigo 5.º a regra válida tanto para a responsabilidade objectiva como para a responsabilidade subjectiva de que " a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e probabilidade do facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada".
Este enunciado resolve apenas parcialmente a questão da prova ,porém as dúvidas no plano substantivo da imputação mantêm-se.
Quanto ao nexo de causalidade, a dificuldade urge pelo facto de todas as teorias sobre o nexo de causalidade assentarem numa causalidade naturalistica o que não tem aplicação no regime do direito do ambiente.
A doutrina mais recente resolve a questão recorrendo à teoria do escopo da norma violada, fazendo a imputação ao agente dos danos causados por meio da conditio sine qua non , tratando-se estes danos dos que correspondem às posições garantidas pelas normas violadas.
Deve entender-se que a conditio sine qua non raramente é demonstrável no âmbito do Direito do Ambiente, uma vez que a prova da causalidade é normalmente limitada a hipóteses puramente estatísticas, e condicionada pela possibilidade de ocorrerem situações de causalidade alternativa.
Face ao exposto, sigo o entendimento da Professora Ana Perestrelo de Oliveira, segundo a qual a imputação objectiva deve assentar na ideia de conexão do risco, ou seja o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado ou aumentado o risco de verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado no resultado. Trata-se aqui do problema substantivo de imputação , sendo uma questão prévia à prova.
Quanto à prova o artigo 5º do DL 147/2008, exige a mera justificação como grau de prova , ou seja o lesado tem de demonstrar a probabilidade da criação do risco pelo agente tendo em conta as circunstâncias do caso concreto ( risco concreto e não abstracto) , e tem-se entendido que a responsabilidade baseada na probabilidade é eficiente do ponto de vista económico, uma vez que o lesante é responsabilizado pelos danos que de, antemão teria de reconhecer como consequências possíveis da sua actuação.
Assim o artigo 5º, abrange apenas a criação ou o aumento do risco mas não a materialização do risco no resultado, pelo que de acordo com a Professora Ana Perestrelo devemos assumir que se presume a materialização do risco no resultado apesar de a lei não o dizer expressamente.
Assim do ponto de vista material, o dano é imputável ao Agente quando este criou/ aumentou o risco da sua verificação e esse risco se materializou no resultado lesivo, sendo que quanto à materialização funciona uma presunção estabelecida no referido artigo 5º.
É de salientar, como refere a Professora Ana Perestrelo que regra do artigo 5.º é aplicável tanto à responsabilidade subjectiva como à responsabilidade pelo risco, sendo que nesta última imputa-se o dano ao agente independentemente de ilicitude e de culpa.
O agente por seu lado pode contraprovar a probabilidade do risco mas pode também fazer a prova negativa de materialização do risco no resultado lesivo, isto é, demonstrar que apesar da criação do risco ser provável , não foi esse risco que se materializou no dano ocorrido. A questão que se pode levantar neste âmbito é a de saber quais são então as circunstâncias concretas relevantes?
 A lei não o refere, mas deve considerar- se relevantes elementos exteriores às instalações, tais como condições meteorológicas, tempo e lugar em que o dano ocorreu , assim como a natureza do dano; e elementos internos como o modo de funcionamento e a situação da empresa, a natureza e a concentração dos materiais utilizados e libertados; e outros factores relevantes que possam ter contribuído para o dano como particularidades de instalação , questões técnicas, e a observância ou não se standards ambientais públicos ou privados.

Reparação/ Prevenção dos danos

Caso se encontrem preenchidos os pressupostos da Responsabilidade Ambiental, cabe aferir de que modo se reparam os danos causados, sendo que a reparação em sentido amplo, pode traduzir-se numa de duas modalidades: a reparação in natura e a indemnização em dinheiro.
Deve entender-se em conformidade com o Doutor Tiago Antunes, e mantendo a mesma linha de pensamento da anterior publicação, que a responsabilidade ambiental pode ter uma natureza preventiva ou reparadora.
O regime da Directiva que foi transposta pelo DL nº 147/2008 para o nosso ordenamento Jurídico, no que diz respeito à reparação dos danos ambientais, afasta-se da Responsabilidade Civil tradicional, uma vez que esta só é accionada pelos danos efectivamente ocorridos e visa repará-los ou ressarci-los, e a função preventiva que a si tem associada tem um efeito dissuasor tendencial ou simbólico e diz respeito a danos hipotéticos.
Já o DL nº 147/2008, consagra esta responsabilidade e  atribui preferência à reparação in natura, e só no caso de esta não ser possível se recorre à alocação de quantias pecuniárias que servem exclusivamente à efectivação de medidas de reparação complementares e compensatórias, materializadas no seu Anexo V, contrariamente à Directiva 2004/35/CE que apenas obriga a adoptar medidas preventivas de reparação.
Cabe salientar que a reparação in natura no âmbito do Direito do Ambiente traduz-se na reconstituição fáctica da situação actual hipotética (e não situação anterior à prática do facto lesivo), ou seja ao lesante impõe-se a obrigação de reposição da situação como se não tivesse havido lesão , e não da situação anterior ao facto lesivo, pois que em termos de custos são situações diferentes .
Quanto à compensação , deve salientar-se que se pretende a reparação efectiva através da remoção das causas da infracção, não tendo que equivaler necessariamente a um pagamento em dinheiro, mas sim pôr a cobro um prejuízo que se causou.
Em suma , na aplicação do referido Decreto-Lei, todas as formas de reparação são admissíveis, pois o Anexo V não produz efeitos quanto ao Capítulo II , logo as compensações financeiras deixam de ser proibidas quando aplicadas as medidas de reparação.

A questão que se pode colocar, tendo em conta a bipolaridade do RJRDA assumida na anterior publicação, diz respeito a saber como se conjuga o capítulo II e o capítulo III ? De que forma se acolhem os dois tipos de danos, os danos ecológicos e os danos pessoais ou patrimoniais?

Em conformidade mais uma vez com a posição do Doutor Tiago Antunes, deve considerar-se que se estes aparecerem isoladamente, cada um será tutelado através do respectivo mecanismo de responsabilidade, já se surgirem de modo conjunto , ou seja resultando ambos da mesma conduta, devem-se aplicar prioritariamente a Reparação Administrativa pela Prevenção e reparação de danos Ambientais, prevista no Capítulo III do RJRDA, e sendo este suficiente não se torna necessário recorrer ao Capítulo II, sendo esta interpretação resultado da leitura do disposto pelo artigo 10º / 1 do referido Regime.
Porém não sendo totalmente eficiente o recurso ao Capítulo III, deverá actuar a responsabilidade civil Clássica nos termos do Capítulo II , não se tratando de uma responsabilidade subsidiária , mas de que uma eficiente articulação de ambos os regimes.
No entanto caso o presente esquema de articulação ocorra em circunstâncias concretas , em sentido inverso , ou seja primeiro se adoptem as medidas previstas no Capítulo II , de acordo com o entendimento do Doutor, a APA pode exigir que sejam adoptadas medidas de reparação de danos ambientais, não podendo o lesante fazer-se valer da proibição da dupla cobrança de custos prevista no artigo 10º/1.

Nestes âmbito, e sobretudo no que diz respeito à medida de reparação compensatória, pergunta-se que parâmetros utilizar para calcular o valor do bem ambiente ?

Certo é que, o cálculo da indemnização devida pelo poluidor, é um processo difícil por  estarem em causa relações multilaterais , levando a ponderações de uma multiplicidade de interesses concorrentes e contraditórios, assim como obrigando a que se tenha em consideração as gerações futuras.
Porém, entendo que o critério básico para aferir a adequação da medida de restauração imposta passará pela verificação de que se reconduz a uma reposição do nível de serviços, ou à reposição da capacidade funcional do recurso natural afectado , assim como da sua capacidade de regeneração.
Esta solução permitirá uma redução da poluição e simultaneamente a criação de um possível fundo público destinado a combater a poluição acidental ou residual.
A impossibilidade de quantificar de forma exacta a lesão ambiental, não deve impedir os tribunais de atribuir uma indemnização pecuniária, através de uma avaliação abstracta dos danos.
Quanto aos danos futuros, estes também podem ser tomados em consideração desde que previsíveis, nos termos do artigo 564º, nº2 do CC , exigindo-se porém um alto grau de probabilidade da sua verificação.
Em suma, o cálculo da indemnização devida pelo poluidor deverá passar por colocar o dano ecológico no topo dos valores ético-jurídicos de toda a comunidade , sendo que os montantes correspondentes à indemnização por dano ecológico devem destinar-se a toda a comunidade no pressuposto de que o ambiente é um bem jurídico indivisível, cabendo à Administração Pública o impulso processual.


Paula Duarte, n.º 21473.

Bibliografia


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