Regime
da Responsabilidade Ambiental
Em
primeira linha, cabe referir que de todos os princípios ambientais
que têm ligação directa ou indirecta à responsabilidade
ambiental, o princípio do poluidor pagador é considerado como o
princípio fundamental inspirador deste regime.
O
Regime em análise rege-se essencialmente pelo dever de prevenção e
de reparação do poluidor enquanto deveres autónomos, que resultam
directamente do Princípio e da lei e não dependem de qualquer
ordem administrativa prévia.
Por
isso se diz nos artigos 12.º e 13.º do Decreto-lei n.º 147/2008
que, “quando se verificar uma ameaça iminente de danos ambientais
o operador responsável adopta, imediata e independentemente de
notificação, requerimento ou acto administrativo prévio, as
medidas de prevenção necessárias e adequadas”.
Feita
esta nota introdutória ao regime cabe referir que as lesões ao
ambiente apresentam caracteristicas especificas pela sua natureza
jurídica difusa, sendo que a
responsabilidade ambiental tanto pode ter uma natureza objectiva como subjectiva , sendo que no primeiro caso o agente responde pelos
danos a que deu origem se tiver actuado com dolo ou negligência e no
segundo caso, o agente responde pelos danos a que deu origem, ainda
que tenha actuado de acordo com o nível de zelo e de diligência que
lhe era exigível, ou seja o dano é imputado ao agente pelo simples facto de
a actividade que este desempenha ser particularmente perigosa ,
entendendo-se que quem tira benefício dessa actividade deve assumir
as suas consequências ( responsabilidade pelo risco) ou
porque a actividade por ele desempenhada, embora lícita, sacrifica
de modo especial e anormal determinados sujeitos, os quais portanto
merecem uma compensação ( responsabilidade pelo sacrifício).
Estas
duas modalidades encontram-se reguladas através do Regime Geral de
Responsabilidade Civil assim como no RJRDA.
O
RJRDA adopta portanto uma concepção alargada de responsabilidade ,
ou seja independente da verificação de um dano, o que encontra
justificação no princípio da Prevenção supra referido, uma vez
que determinadas ofensas a bens naturais podem revelar-se
irreversíveis.
Este
regime também confirma a ideia de que no âmbito da protecção ao
Ambiente deverão impor-se determinados deveres de defesa e promoção
da qualidade dos bens ambientais.
A
aplicação do regime geral de responsabilidade por danos ambientais
implica a aplicação dos artigos 483º e ss. do Código Civil, que
estabelece um princípio genérico de responsabilidade subjectiva e
exige o preenchimento dos seguintes pressupostos :
- A existência de um facto voluntário;
- A ilicitude, entendida como violação de direitos subjectivos ou de normas de protecção destinadas a proteger interesses alheios;
- A culpabilidade, entendida como a censurabilidade da conduta do agente;
- O dano;
- O nexo de causalidade entre o facto e o dano;
Quanto
à ilicitude, mais do que a lesão de direitos subjectivos
alheios, estará essencialmente em causa a violação de normas de
protecção, destinadas a proteger interesses alheios.
A
probatio diabólica da culpa relativamente aos casos de lesão
ambiental, pode ser dispensada através do recurso à presunção do
art. 493º, nº2 do Código Civil, que considera que quem exerce uma
actividade perigosa se presume responsável pelos danos verificados,
excepto se demonstrar que tomou todas as providências exigidas pelas
circunstâncias com o fim de os prevenir.
Porém,
os problemas colocam-se em relação aos pressupostos do dano e do
nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No domínio do Direito do Ambiente a imputação dos danos gera dificuldades, uma vez que a informação é insuficiente, pode
ocorrer o fenómeno de causalidade alternativa, assim como processo
poluente prolonga-se no espaço e no tempo entre outros factores que
tornam difícil a imputação.
Para
dar solução a estes problemas o Decreto-lei nº 147/2008 de 29 de
Julho, que deve ser conjugado com o regime previsto no código civil,
estabeleceu no seu artigo 5.º a regra válida tanto para a
responsabilidade objectiva como para a responsabilidade subjectiva de
que " a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num
critério de verosimilhança e probabilidade do facto danoso ser apto
a produzir a lesão verificada".
Este
enunciado resolve apenas parcialmente a questão da prova ,porém as
dúvidas no plano substantivo da imputação mantêm-se.
Quanto
ao nexo de causalidade, a dificuldade urge pelo facto de todas as
teorias sobre o nexo de causalidade assentarem numa causalidade naturalistica o que não tem aplicação no regime do direito do ambiente.
A
doutrina mais recente resolve a questão recorrendo à teoria do
escopo da norma violada, fazendo a imputação ao agente dos
danos causados por meio da conditio sine qua non , tratando-se estes
danos dos que correspondem às posições garantidas pelas normas
violadas.
Deve
entender-se que a conditio sine qua non raramente é demonstrável
no âmbito do Direito do Ambiente, uma vez que a prova da causalidade
é normalmente limitada a hipóteses puramente estatísticas, e
condicionada pela possibilidade de ocorrerem situações de
causalidade alternativa.
Face
ao exposto, sigo o entendimento da Professora Ana Perestrelo de
Oliveira, segundo a qual a imputação objectiva deve assentar na
ideia de conexão do risco, ou seja o facto é objectivamente
imputável ao agente quando este tiver criado ou aumentado o risco de
verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado
no resultado. Trata-se aqui do problema substantivo de imputação ,
sendo uma questão prévia à prova.
Quanto
à prova o artigo 5º do DL 147/2008, exige a mera
justificação como grau de prova , ou seja o lesado tem de
demonstrar a probabilidade da criação do risco pelo agente tendo em
conta as circunstâncias do caso concreto ( risco concreto e não
abstracto) , e tem-se entendido que a responsabilidade baseada na
probabilidade é eficiente do ponto de vista económico, uma vez que
o lesante é responsabilizado pelos danos que de, antemão teria de
reconhecer como consequências possíveis da sua actuação.
Assim
o artigo 5º, abrange apenas a criação ou o aumento do risco mas
não a materialização do risco no resultado, pelo que de acordo com
a Professora Ana Perestrelo devemos assumir que se presume a
materialização do risco no resultado apesar de a lei não o dizer
expressamente.
Assim
do ponto de vista material, o dano é imputável ao Agente quando
este criou/ aumentou o risco da sua verificação e esse risco se
materializou no resultado lesivo, sendo que quanto à materialização
funciona uma presunção estabelecida no referido artigo 5º.
É
de salientar, como refere a Professora Ana Perestrelo que regra do
artigo 5.º é aplicável tanto à responsabilidade subjectiva como à
responsabilidade pelo risco, sendo que nesta última imputa-se o
dano ao agente independentemente de ilicitude e de culpa.
O
agente por seu lado pode contraprovar a probabilidade do risco mas
pode também fazer a prova negativa de materialização do risco no
resultado lesivo, isto é, demonstrar que apesar da criação do
risco ser provável , não foi esse risco que se materializou no dano
ocorrido. A questão que se pode levantar neste âmbito é a de saber
quais são então as circunstâncias concretas relevantes?
A lei não
o refere, mas deve considerar- se relevantes elementos exteriores às
instalações, tais como condições meteorológicas, tempo e lugar
em que o dano ocorreu , assim como a natureza do dano; e elementos
internos como o modo de funcionamento e a situação da empresa, a
natureza e a concentração dos materiais utilizados e libertados; e
outros factores relevantes que possam ter contribuído para o dano
como particularidades de instalação , questões técnicas, e a
observância ou não se standards ambientais públicos ou privados.
Reparação/ Prevenção dos danos
Caso
se encontrem preenchidos os pressupostos da Responsabilidade
Ambiental, cabe aferir de que modo se reparam os danos causados,
sendo que a reparação em sentido amplo, pode traduzir-se numa de
duas modalidades: a reparação in natura e a indemnização em
dinheiro.
Deve
entender-se em conformidade com o Doutor Tiago Antunes, e mantendo a
mesma linha de pensamento da anterior publicação, que a
responsabilidade ambiental pode ter uma natureza preventiva ou
reparadora.
O
regime da Directiva que foi transposta pelo DL nº 147/2008 para o nosso ordenamento Jurídico, no que
diz respeito à reparação dos danos ambientais, afasta-se da
Responsabilidade Civil tradicional, uma vez que esta só é accionada
pelos danos efectivamente ocorridos e visa repará-los ou
ressarci-los, e a função preventiva que a si tem associada tem um
efeito dissuasor tendencial ou simbólico e diz respeito a danos
hipotéticos.
Já o DL nº 147/2008, consagra esta responsabilidade e atribui preferência à reparação in natura, e só no caso de esta não ser possível se recorre à alocação de quantias pecuniárias que servem exclusivamente à efectivação de medidas de reparação complementares e compensatórias, materializadas no seu Anexo V, contrariamente à Directiva 2004/35/CE que apenas obriga a adoptar medidas preventivas de reparação.
Cabe salientar que a reparação in natura no âmbito do Direito do Ambiente traduz-se
na reconstituição fáctica da situação actual hipotética (e não
situação anterior à prática do facto lesivo), ou seja ao lesante impõe-se a obrigação de reposição da situação como se não
tivesse havido lesão , e não da situação anterior ao facto
lesivo, pois que em termos de custos são situações diferentes .
Quanto
à compensação , deve salientar-se que se pretende a reparação
efectiva através da remoção das causas da infracção, não tendo
que equivaler necessariamente a um pagamento em dinheiro, mas sim pôr
a cobro um prejuízo que se causou.
Em
suma , na aplicação do referido Decreto-Lei, todas as formas de
reparação são admissíveis, pois o Anexo V não produz efeitos
quanto ao Capítulo II , logo as compensações financeiras deixam de
ser proibidas quando aplicadas as medidas de reparação.
A
questão que se pode colocar, tendo em conta a bipolaridade do RJRDA
assumida na anterior publicação, diz respeito a saber como se
conjuga o capítulo II e o capítulo III ? De que forma se acolhem os
dois tipos de danos, os danos ecológicos e os danos pessoais ou
patrimoniais?
Em
conformidade mais uma vez com a posição do Doutor Tiago Antunes,
deve considerar-se que se estes aparecerem isoladamente, cada um será
tutelado através do respectivo mecanismo de responsabilidade, já se
surgirem de modo conjunto , ou seja resultando ambos da mesma conduta, devem-se aplicar prioritariamente a Reparação Administrativa pela Prevenção e reparação de danos Ambientais,
prevista no Capítulo III do RJRDA, e sendo este suficiente não se
torna necessário recorrer ao Capítulo II, sendo esta interpretação
resultado da leitura do disposto pelo artigo 10º / 1 do referido
Regime.
Porém
não sendo totalmente eficiente o recurso ao Capítulo III, deverá
actuar a responsabilidade civil Clássica nos termos do Capítulo II
, não se tratando de uma responsabilidade subsidiária , mas de que
uma eficiente articulação de ambos os regimes.
No
entanto caso o presente esquema de articulação ocorra em circunstâncias concretas , em sentido inverso , ou seja primeiro se
adoptem as medidas previstas no Capítulo II , de acordo com o entendimento do Doutor, a APA pode exigir que sejam adoptadas medidas de
reparação de danos ambientais, não podendo o lesante fazer-se
valer da proibição da dupla cobrança de custos prevista no artigo
10º/1.
Nestes
âmbito, e sobretudo no que diz respeito à medida de reparação
compensatória, pergunta-se que parâmetros utilizar para calcular o
valor do bem ambiente ?
Certo
é que, o cálculo da indemnização devida pelo poluidor, é um
processo difícil por estarem em causa relações
multilaterais , levando a ponderações de uma multiplicidade de
interesses concorrentes e contraditórios, assim como obrigando a
que se tenha em consideração as gerações futuras.
Porém, entendo que o critério básico para aferir a adequação da
medida de restauração imposta passará pela verificação de que se reconduz a uma reposição do nível de serviços, ou à reposição
da capacidade funcional do recurso natural afectado , assim como da
sua capacidade de regeneração.
Esta
solução permitirá uma redução da poluição e simultaneamente a
criação de um possível fundo público destinado a combater a
poluição acidental ou residual.
A
impossibilidade de quantificar de forma exacta a lesão ambiental,
não deve impedir os tribunais de atribuir uma indemnização
pecuniária, através de uma avaliação abstracta dos danos.
Quanto
aos danos futuros, estes também podem ser tomados em consideração
desde que previsíveis, nos termos do artigo 564º, nº2 do CC ,
exigindo-se porém um alto grau de probabilidade da sua verificação.
Em
suma, o cálculo da indemnização devida pelo poluidor deverá
passar por colocar o dano ecológico no topo dos valores
ético-jurídicos de toda a comunidade , sendo que os montantes
correspondentes à indemnização por dano ecológico devem
destinar-se a toda a comunidade no pressuposto de que o ambiente é
um bem jurídico indivisível, cabendo à Administração Pública o
impulso processual.
Paula Duarte, n.º 21473.
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Visto.
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