Natureza jurídica da responsabilidade ambiental
Numa tentativa de
captar a natureza jurídica da responsabilidade ambiental, à luz do Decreto-lei
n.º 147/2008, o Dr. Tiago Antunes[1],
apesar de assumir que era um diploma necessário e já há muito ansiado em
Portugal, pois, não existia um sistema estruturado e uniforme[2] de
responsabilização por danos causados ao ambiente, critica-o no sentido em que
tem criado muitas dúvidas interpretativas o que leva a que, cada autor tenda a
ver
neste decreto
uma demonstração do seu ponto de vista/concepção quanto às relações ambientais.
Este problema é, desde logo detectável, através da discussão doutrinária que
existe relativamente a qual a natureza jurídica da responsabilidade ambiental.
É, precisamente sobre este ponto que irá versar a minha análise ao Decreto-lei
n.º 147/2008.
Este Decreto
surge de uma tentativa de tentar adaptar o ordenamento jurídico nacional ao
novo panorama europeu decorrente da Directiva n.º 2004/35/CE.
Apesar da origem
do Decreto, Tiago Antunes, logo no início da sua análise aponta para algumas diferenças
entre um e outro regime, mas apresenta uma possível justificação: a Directiva
(da qual deriva o RJRDA) é uma “Directiva de mínimos”, ou seja, tem como função
determinar um mínimo denominador comum da responsabilidade ambiental no espaço
comunitário. Ao estabelecer apenas os mínimos conseguia, assim, dar liberdade a
cada Estado-Membro, se assim o entendesse, a ir mais longe[3].
Contudo, deita por água este argumento, afirmando que, as diferenças de regime
justificam-se porque o legislador comunitário e o nacional manifestaram
preocupações diferenciadas. O primeiro “ se ocupou apenas dos chamados danos
ecológicos puros, isto é, dos danos causados à natureza em si mesma, o segundo
pretendeu abranger todo o tipo de danos (que ecológicos, quer pessoais ou
patrimoniais)” como, é facilmente identificável por exemplo, no art. 11º, n.º
1, al. a) iii), onde há, uma clara cedência antropocêntrica porque, os danos
causados ao solo só tem relevância caso provoque, em simultâneo, um risco
significativo para a vida humana.
Existindo ainda
mais algumas diferenças significativas como, qual a finalidade da
responsabilidade sendo que, o primeiro visa a prevenção da ocorrência de danos
ou, na sua impossibilidade, a reparação in
natura, enquanto o segundo admitiu várias formas de compensação dos
sujeitos lesados (que em último caso poderá ser o pagamento de uma
indemnização).
Para explicar
esta diferença, que poderá dizer-se acentuada, a resposta é fácil (na opinião
de Tiago Antunes): a Directiva consagra um modelo de responsabilidade ambiental
que se afasta do modelo clássico ou civilista (tema que será desenvolvido
infra) da responsabilidade civilista, porque, tal como já foi referido tem por
base um regime de prevenção de danos à natureza, em vez de um regime tipo
ressarcitório, entre lesante e lesado.
O RJRDA vigente em Portugal, consagra ambos os
regimes, como veremos adiante, apesar de não ser uma opinião pacífica na
doutrina, por exemplo, Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva discordam da
existência de dois regimes de responsabilidade civil.
Para fundamentar
a sua opinião, Tiago Antunes, recorre ao preâmbulo do próprio Decreto:
“estabelece-se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e
objectiva nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a
indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente
ambiental. Por outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa
destinada a [prevenir e] reparar os danos causados ao ambiente perante toda a
colectividade, transpondo desta forma para o ordenamento jurídico nacional a
Directiva n.º 2004/35/CE.”
Podemos, desde
logo, tal como é feito no texto, identificar que estas duas modalidades de
responsabilidade diferem quanto aos danos/indemnização que visam. No caso da
responsabilidade subjectiva e objectiva, está em causa a indemnização de lesões
sofridas por determinados indivíduos em concreto e, na responsabilidade
administrativa está em causa a reparação de danos provocados ao meio ambiente,
que apenas reflexamente ou de forma difusa acabam por afectar a colectividade
como um todo.
O Decreto-lei
n.º 147/2008 divide-se, então, em dois: I. que engloba o Cap. II do Decreto que
estabelece os termos em que os poluidores respondem perante as vítimas da sua
actuação; II. englobando já o Cap. III onde se encontra definido o conjunto de
obrigações de prevenção e reparação de danos à natureza.
Após esta breve
exposição da natureza da responsabilidade civil da explicação da organização do
Decreto-lei n.º 147/2008, penso que há argumentos suficientes a favor da
opinião apresentada pelo Dr. Tiago Antunes e, consequentemente da natureza
dúplice da responsabilidade civil ambiental.
O primeiro
argumento é, claramente, procedente, ou seja, se a Directiva é, realmente, uma
“ Directiva de mínimos” e o facto de, depois da transposição para o ordenamento
português determinar que a natureza da responsabilidade, seja por diferentes
preocupações do legislador comunitário ou nacional serem diferentes seja por
qualquer outra razão, não é suficiente para deitar por terra o facto de, na
prática, este Decreto conter uma responsabilidade com natureza dúplice.
Já o argumento
do preâmbulo sustentar expressamente esta posição é, contudo, preciso ter cuidado,
pois muitas vezes o que aí está escrito pode não corresponder à verdade, como é
o caso do preâmbulo da nossa Constituição. Mas, é um argumento que pode ajudar.
Por fim, e a meu
ver é o argumento mais forte, é a organização do próprio Decreto. Tal como já
foi explicado supra, este Decreto encontra-se dividido em duas partes “. que
engloba o Cap. II do Decreto que estabelece os termos em que os poluidores
respondem perante as vítimas da sua actuação; II. englobando já o Cap. III onde
se encontra definido o conjunto de obrigações de prevenção e reparação de danos
à natureza”.
Assunção Correia de Matos,
nº 20970
[1] Temas de Direito do
Ambiente, Prof. Jorge Miranda.
[2] O anterior sistema
caracterizava-se “ pela confluência de uma multiplicidade de fontes com várias
normas sobrepostas e de articulação deficiente; pela vigência de previsões
legais que, no entanto, se encontravam por regulamentar e que,
consequentemente, era discutível se podiam ou não ser aplicadas; (…)” in, “Da
natureza jurídica da responsabilidade ambienta”, Antunes, Tiago.
[3] Exemplo: o art. 16º, n.º1
da Directiva n.º 2004/35/CE, segundo o qual “ a presente Directiva não impede
os Estados-Membros de manterem ou adoptarem disposições mais estritas em
relação à prevenção e à reparação de danos ambientais (..)”.
Visto.
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