quarta-feira, 14 de maio de 2014

Natureza jurídica da responsabilidade ambiental




Numa tentativa de captar a natureza jurídica da responsabilidade ambiental, à luz do Decreto-lei n.º 147/2008, o Dr. Tiago Antunes[1], apesar de assumir que era um diploma necessário e já há muito ansiado em Portugal, pois, não existia um sistema estruturado e uniforme[2] de responsabilização por danos causados ao ambiente, critica-o no sentido em que tem criado muitas dúvidas interpretativas o que leva a que, cada autor tenda a ver
neste decreto uma demonstração do seu ponto de vista/concepção quanto às relações ambientais. Este problema é, desde logo detectável, através da discussão doutrinária que existe relativamente a qual a natureza jurídica da responsabilidade ambiental. É, precisamente sobre este ponto que irá versar a minha análise ao Decreto-lei n.º 147/2008.
Este Decreto surge de uma tentativa de tentar adaptar o ordenamento jurídico nacional ao novo panorama europeu decorrente da Directiva n.º 2004/35/CE.
Apesar da origem do Decreto, Tiago Antunes, logo no início da sua análise aponta para algumas diferenças entre um e outro regime, mas apresenta uma possível justificação: a Directiva (da qual deriva o RJRDA) é uma “Directiva de mínimos”, ou seja, tem como função determinar um mínimo denominador comum da responsabilidade ambiental no espaço comunitário. Ao estabelecer apenas os mínimos conseguia, assim, dar liberdade a cada Estado-Membro, se assim o entendesse, a ir mais longe[3]. Contudo, deita por água este argumento, afirmando que, as diferenças de regime justificam-se porque o legislador comunitário e o nacional manifestaram preocupações diferenciadas. O primeiro “ se ocupou apenas dos chamados danos ecológicos puros, isto é, dos danos causados à natureza em si mesma, o segundo pretendeu abranger todo o tipo de danos (que ecológicos, quer pessoais ou patrimoniais)” como, é facilmente identificável por exemplo, no art. 11º, n.º 1, al. a) iii), onde há, uma clara cedência antropocêntrica porque, os danos causados ao solo só tem relevância caso provoque, em simultâneo, um risco significativo para a vida humana.
Existindo ainda mais algumas diferenças significativas como, qual a finalidade da responsabilidade sendo que, o primeiro visa a prevenção da ocorrência de danos ou, na sua impossibilidade, a reparação in natura, enquanto o segundo admitiu várias formas de compensação dos sujeitos lesados (que em último caso poderá ser o pagamento de uma indemnização).
Para explicar esta diferença, que poderá dizer-se acentuada, a resposta é fácil (na opinião de Tiago Antunes): a Directiva consagra um modelo de responsabilidade ambiental que se afasta do modelo clássico ou civilista (tema que será desenvolvido infra) da responsabilidade civilista, porque, tal como já foi referido tem por base um regime de prevenção de danos à natureza, em vez de um regime tipo ressarcitório, entre lesante e lesado.
 O RJRDA vigente em Portugal, consagra ambos os regimes, como veremos adiante, apesar de não ser uma opinião pacífica na doutrina, por exemplo, Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva discordam da existência de dois regimes de responsabilidade civil.
Para fundamentar a sua opinião, Tiago Antunes, recorre ao preâmbulo do próprio Decreto: “estabelece-se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e objectiva nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. Por outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa destinada a [prevenir e] reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade, transpondo desta forma para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2004/35/CE.”
Podemos, desde logo, tal como é feito no texto, identificar que estas duas modalidades de responsabilidade diferem quanto aos danos/indemnização que visam. No caso da responsabilidade subjectiva e objectiva, está em causa a indemnização de lesões sofridas por determinados indivíduos em concreto e, na responsabilidade administrativa está em causa a reparação de danos provocados ao meio ambiente, que apenas reflexamente ou de forma difusa acabam por afectar a colectividade como um todo.
O Decreto-lei n.º 147/2008 divide-se, então, em dois: I. que engloba o Cap. II do Decreto que estabelece os termos em que os poluidores respondem perante as vítimas da sua actuação; II. englobando já o Cap. III onde se encontra definido o conjunto de obrigações de prevenção e reparação de danos à natureza.
Após esta breve exposição da natureza da responsabilidade civil da explicação da organização do Decreto-lei n.º 147/2008, penso que há argumentos suficientes a favor da opinião apresentada pelo Dr. Tiago Antunes e, consequentemente da natureza dúplice da responsabilidade civil ambiental.
O primeiro argumento é, claramente, procedente, ou seja, se a Directiva é, realmente, uma “ Directiva de mínimos” e o facto de, depois da transposição para o ordenamento português determinar que a natureza da responsabilidade, seja por diferentes preocupações do legislador comunitário ou nacional serem diferentes seja por qualquer outra razão, não é suficiente para deitar por terra o facto de, na prática, este Decreto conter uma responsabilidade com natureza dúplice.
Já o argumento do preâmbulo sustentar expressamente esta posição é, contudo, preciso ter cuidado, pois muitas vezes o que aí está escrito pode não corresponder à verdade, como é o caso do preâmbulo da nossa Constituição. Mas, é um argumento que pode ajudar.
Por fim, e a meu ver é o argumento mais forte, é a organização do próprio Decreto. Tal como já foi explicado supra, este Decreto encontra-se dividido em duas partes “. que engloba o Cap. II do Decreto que estabelece os termos em que os poluidores respondem perante as vítimas da sua actuação; II. englobando já o Cap. III onde se encontra definido o conjunto de obrigações de prevenção e reparação de danos à natureza”.

Assunção Correia de Matos,
nº 20970












[1] Temas de Direito do Ambiente, Prof. Jorge Miranda.
[2] O anterior sistema caracterizava-se “ pela confluência de uma multiplicidade de fontes com várias normas sobrepostas e de articulação deficiente; pela vigência de previsões legais que, no entanto, se encontravam por regulamentar e que, consequentemente, era discutível se podiam ou não ser aplicadas; (…)” in, “Da natureza jurídica da responsabilidade ambienta”, Antunes, Tiago.
[3] Exemplo: o art. 16º, n.º1 da Directiva n.º 2004/35/CE, segundo o qual “ a presente Directiva não impede os Estados-Membros de manterem ou adoptarem disposições mais estritas em relação à prevenção e à reparação de danos ambientais (..)”.

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