A responsabilidade civil
ambiental consta, no ordenamento jurídico português, do Decreto-Lei nº147/2008,
de 29 de Julho[1]
e institui com ele um sistema de tratamento uniforme dado às situações de
responsabilização por danos ambientais.
Grande parte do regime
vertido neste Decreto-Lei já decorria da Lei de Bases do Ambiente e da Lei de
Participação Procedimental e Ação Popular, no entanto, este representou uma
melhoria face à situação anterior, pois havia muitas dificuldades
interpretativas relativamente aos preceitos, o que complicava a sua aplicação.
Ora, este Decreto-Lei
não representa apenas facilidades. Ao transpor a diretiva, o legislador inseriu
um Capítulo (o II) dedicado à Responsabilidade Civil, gerando dúvidas quanto à
aplicação do regime, ou seja, pode-se retirar que o Capítulo III não versa
sobre o instituto da responsabilidade civil, ou ainda, que este se aplicaria
apenas às entidades públicas[2], até
por ter por título responsabilidade administrativa pela prevenção e
reparação de danos ambientais.
O Prof. Menezes Leitão
entende ser assim. Segundo este autor, a Decreto-Lei estipula uma
responsabilidade civil, nos seus artigos 7º e 8º, e uma responsabilidade
administrativa (artigo 11º e ss). Mais, retira do artigo 10º/1 que a
responsabilidade civil é subsidiária à administrativa, o que critica, pois pode
funcionar como um obstáculo aos pedidos indemnizatórios, deduzidos pelos
cidadãos, pelos danos causados ao ambiente.
A Prof. Carla Amado
Gomes entende que aquele título é apenas uma expressão infeliz.
Com a inserção deste
Capítulo II, o legislador incluiu no âmbito do diploma situações que a diretiva
não pretendia regular. Esta ampliação do âmbito era desnecessária uma vez que
aos danos pessoais e patrimoniais, por via de componente ambiental, são
aplicáveis as regras gerais do Código Civil (artigo 483º e ss).
É de referir que o que
justificava a criação deste diretiva e decreto-lei era a dificuldade de
integrar o dano ecológico (ao ambiente per si), no regime do Código Civil e da
já referida Lei da participação procedimental e da ação popular[3].
Era notoriamente difícil definir o destino das indemnizações pecuniárias no
caso de lesão ecológica insuscetível de reparação (reclamada por autores
populares, defendendo interesses difusos). Este problema ficou efetivamente
resolvido estabelecendo-se que estas indemnizações revertem para o Fundo de
Intervenção Ambiental (artigo 23º RJRDA), ficando afetos a projetos de recuperação de bens
ambientais (artigo 23º /2 ).
Posto isto,
verifiquemos a bipolaridade da responsabilidade por dano ambiental[4] no
Decreto-Lei 147/2008. Ora, a doutrina diverge quanto a esta conceção e
articulação do regime, interpretações a que o referido Decreto-Lei se presta.
Como já supramencionado, ao transpor a diretiva o legislador consagrou,
igualmente, a responsabilidade por danos ambientais[5], o
que o tornou suscetível de várias interpretações.
A Prof. Carla Amado
Gomes privilegia a restituição dos bens ambientais naturais, excluindo deste
modo a indemnização por danos individuais.
Numa posição oposta,
Branca Martins da Cruz, privilegia a ação judicial com o objetivo de ressarcir os
danos individualmente causados face à reparação dos danos ecológicos. Nesta
linha, importa referir o dito pelo Prof. Figueiredo Dias, ou seja, que este
pedido de tutela para a situação de lesão feito pelos cidadãos, tem um reflexo
positivo no ambiente em si, qualificando-o como um fenómeno de free-riding [6].
Ambas as posições negam
assim uma natureza bipolar do regime consagrado, sendo esta também a posição do
Prof. Vasco Pereira da Silva[7].
Outras interpretações
são possíveis, como é o caso da posição defendida pelo Dr. Tiago Antunes, que
opta pela natureza dúplice desta responsabilidade. Esta opinião tem, desde
logo, suporte no preâmbulo que distingue entre os regimes que constam do
Decreto-Lei[8].
Mas não basta.
Temos a este favor a consagração
de uma vertente mais antropocêntrica, uma vez, que vê o dano enquanto a lesão
feita à esfera jurídica do individuo e o que está em causa é o seu ressarcimento
na responsabilidade por danos ambientais e uma componente mais ecocêntrica,
considerando a lesão ao ambiente em si, na responsabilidade por danos
ecológicos (puros). Apenas esta foi objeto da Diretiva transposta, incluindo os
significativos danos à água, solo, espécies ou habitats naturais protegidos.
Cumpre referir que quanto ao solo, há efetivamente uma referência antropogénica
pois estes danos só serão considerados se puderem prejudicar a saúde humana.
É de considerar ainda a
própria sistematização do Decreto-Lei, pois assenta em dois pilares,
diferenciados em dois capítulos autónomos, o que desde logo evidencia a
natureza divergente entre eles.
Posto isto, cabe tomar
posição. Parece que os argumentos do Dr. Tiago Antunes são claramente
procedentes, tendo regimes diferentes para lesões a pessoas e bens (que
constituam património) e um outro para os referidos danos ecológicos puros, “o
que, mais do que problemático, pode revelar-se virtuoso”[9].
Ora, por um lado, num
mesmo diploma se regem todo o tipo de danos suscetível de causar lesão ao
ambiente (seja lesão pura, seja por via de componente ambiental; objetiva,
subjetiva..) sendo estas complementares, por outro, pode suscitar dificuldades
pois este não define as situações que cabem no âmbito de umas e outras
situações e se, eventualmente, se podem cumular. Falta então dar resposta às
questões que, durante este trabalho, se expuseram, inclusive se será uma das
responsabilidades subsidiária de outra.
Diz-nos o Prof. Menezes
Leitão, que “apesar das dificuldades que o funcionamento clássico da
responsabilidade civil coloca à reparação dos danos ambientais, o Direito
Português tem vindo a consagrar sucessivos regimes de responsabilidade civil ambiental.
Espera-se que a sua aplicação prática se torne efetiva e que surja uma efetiva
responsabilização nesta área”.
Entendemos, ser apenas
de esperar que o legislador tome posição nas querelas interpretativas a que
este diploma se expõe.
BIBLIOGRAFIA
TIAGO ANTUNES, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade
Ambiental, in Actas do Colóquio - A Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental, Faculdade de Direito de Lisboa, Novembro de 2009, ICJP, org. Carla
amado Gomes e Tiago Antunes
HELOÍSA OLIVEIRA, Instrumentos
de tutela do ambiente: responsabilidade por dano ambiental/ecológico, in
Actas do Colóquio – A Revisão da Lei de Bases do Ambiente, Faculdade de Direito
de Lisboa, Fevereiro de 2011, ICJP, org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
Carla
Amado Gomes, De que falamos quando falamos de dano ambiental?
Direito, mentiras e crítica, in Actas
de Colóquio - A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Novembro de 2009,ICJP,
org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
LUÍS MENEZES LEITÃO, A Responsabilidade Civil por Danos causados
ao Ambiente, in Actas de Colóquio
- A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Novembro de 2009,ICJP, org.
Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
Rita
João Soares Freire
Nº
18382
[1] Por
transposição da Diretiva nº 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
21 de Abril de 2004.
[2] A Prof.
Carla Amado Gomes refere ainda o constrangimento que causaria, pois teria que
se articular este regime com o da Lei 67/2007
[3] Lei
83/95, de 31 de Agosto
[4] Nas
palavras da Prof. Carla Amado Gomes “a (falsa) bipolaridade da responsabilidade
por dano ambiental”
[5] Como
refere a Dr.ª Heloísa Oliveira, dano ambiental reportar-se-á a lesão de
interesses ou direitos legalmente protegidos por via de um componente ambiental
e será um dano ecológico o dano ao recurso natural em si mesmo. Vide Instrumentos de tutela do ambiente:
responsabilidade por dano ambiental/ecológico, Actas do Colóquio – A
Revisão da Lei de Bases do Ambiente (2 e 3 de Fevereiro de 2011), org. Carla
Amado Gomes e Tiago Antunes
[6] Aspetos
contenciosos da efetivação da responsabilidade ambiental – a questão da
legitimidade, em especial – referência em Carla Amado Gomes, De que falamos quando falamos de dano ambiental?
Direito, mentiras e crítica, Actas de Colóquio, A responsabilidade civil
por dano ambiental, 2009, org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
[7] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Ventos de Mudança no
Direito do Ambiente – A responsabilidade civil ambiental, in Actas das
Jornadas de Direito do Ambiente – O Que há de novo no Direito do ambiente?,2009,
org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes (em que elogia o tratamento uniforme do
sistema)
[8] «estabelece-se, por um lado, um regime de
responsabilidade civil subjectiva e objectiva (…). Por outro, fixa-se um regime
de responsabilidade administrativa (…)”
[9] Tiago
Antunes, Da Natureza Jurídica da
Responsabilidade Ambiental, Actas de Colóquio, A responsabilidade civil por
dano ambiental, 2009, pp.148, org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
Visto.
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