domingo, 18 de maio de 2014

A nova Lei de Bases do Ambiente - Lei nº 19/2014 de 14 de Abril

Pouco, ou muito pouco, se escreveu sobre a nova lei de base do ambiente. Vamos tentar, com os nossos parcos conhecimentos em Direito do Ambiente, fazer uma breve análise das alterações que advieram deste novo diploma, fazendo uma curta introdução à Lei de Bases do Ambiente (LBA) portuguesa.


Mais do que 1976, ano de entrada em vigor da Constituição e do seu artigo (ambiental) 66º, o ano de 1987 constitui o ponto de partida formal para a construção da estrutura regulatória ambiental em Portugal. É com a aprovação da Lei de Bases do Ambiente que se lançam as fundações necessárias às múltiplas ramificações, funcionais e sectoriais, posteriores.[1]
A LBA surge por força do art. 165/1/g da CRP, e aparece como uma tentativa inovadora de «sistematização e de enquadramento de toda essa regulação jurídica difusa do domínio ambiental, procurando lançar as bases para o futuro Direito do Ambiente»[2]. Os propósitos da lei são os melhores: criar traves mestras e princípios orientadores para legislar em matéria de ambiente. A LBA, sendo um instrumento jurídico de maior importância, de pouco servirá sem a necessária legislação complementar.[3]  Mas a nova lei (1987) pecou por excesso. Quis o legislador concretizar em demasia instrumentos que seriam da competência de diplomas especiais, de certa forma, quis incluir em sede própria, a concretização para a qual deveria remeter.
No entanto, a LBA foi consumida pelas directivas europeias. Nos últimos anos, o aumento das preocupações ambientais, consubstanciou-se num incremento das políticas legislativas para combater esses problemas. Assim, correu-se o risco da LBA de pouco, ou nada, servir, dado que não seria, certamente, a LBA portuguesa a orientar o legislador europeu. Exemplo desta contradição será o art. 30º da antiga LBA, que trata a existência de estudos de impacte ambiental, só que essa norma está completamente vazia de conteúdo quando se verifica que a concretização da mesma está presente no DL 69/2000, de 3 de Maio, que surge por via europeia e que não se compatibiliza com a regra geral da LBA.
A LBA «foi importante, na altura e durante algum tempo, mas hoje em dia é praticamente “letra morta”»[4]. Partindo, provavelmente, deste pressuposto, o legislador concluiu pela necessária revisão da LBA , que iremos analisar de seguida.
Rever a Lei de Bases do Ambiente, hoje, deve significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos, relativamente às matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de acção das políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares, não mais do que isso. Rever a lei de bases para fazer outra lei igual à que já existe, não vale a pena, seria meramente “simbólico” ou “decorativo”, na linha daqueles autores que (de forma crítica) falam na “função artística” dos conceitos jurídicos.[5] Vejamos se “deram ouvidos” a Vasco Pereira da Silva[6].
Contrariamente ao que aconteceu em 1987, não se tratou de um diploma de consenso político (na altura só o CDS votou contra). Na nova lei, toda a oposição votou contra. O Partido Socialista especificou as críticas, dizendo que a nova lei abre uma porta para a privatização da água.[7]
A Nova LBA caracteriza-se por uma significativa simplificação e sistematização em comparação com a anterior lei, adaptando-se à legislação publicada nas últimas décadas e actualizando conceitos, princípios e instrumentos da política de ambiente. A mudança começa, desde logo, pelo número de artigos: na antiga eram 52, enquanto na nova são 24.[8] Esta alteração torna o diploma mais acessível, diploma esse que traz sobretudo conceitos e quase nenhuma norma.
Nos termos da nova lei (art. 2º), a política de ambiente, cuja realização compete ao Estado, visa a efectivação dos direitos ambientais através da promoção do desenvolvimento sustentável, suportada na gestão adequada do ambiente, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e uma “economia verde”, racional e eficiente na utilização dos recursos naturais, que assegure o bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos cidadãos. O direito ao ambiente, outrora no art.2º, está patente no novo art.5º, desta vez concretizado no seu nº2.[9] Passa a estabelecer-se, expressamente (art. 6º), que todos os cidadãos gozam dos direitos de intervenção e de participação nos procedimentos administrativos relativos ao ambiente, em especial o direito de participação dos cidadãos, das associações não-governamentais e dos demais agentes interessados, em matéria de ambiente – art.6º/2/a; e o direito de acesso à informação ambiental detida por entidades públicas – art.6º/2/b.
Estipula-se – art. 8º – que o direito ao ambiente é indissociável do dever de o proteger, de o preservar e de o respeitar, numa perspectiva de futuro, pensar em ambiente como algo a conservar. Introduz-se assim o conceito de dever ambiental. No nº2 do art.8º aparece uma nova noção – a de cidadania ambiental – que consiste no dever de contribuir para a criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e, na óptica do uso eficiente dos recursos e tendo em vista a progressiva melhoria da qualidade vida, para a sua protecção e preservação.
A LBA de 1987 identificava, com precisão, os instrumentos que o país devia ter para orientar a sua política de ambiente, e fixava prazos para a sua regulamentação, o que já não acontece na nova LBA, dizendo apenas, no seu art.12º (sob a epigrafe – execução da política de ambiente) que «a política de ambiente deve estabelecer legislação específica para cada um dos componentes identificados nos artigos anteriores, consentânea com as políticas europeias e internacionais aplicáveis em cada domínio, com vista à definição de objetivos e à aplicação de medidas especificas».
No capítulo V aparecem os instrumentos da política de ambiente (Capítulo IV da antiga LBA) que sofreram uma revisão , encontrando-se agora organizados em 7 categorias:
i) Informação ambiental (conhecimento e informação disponíveis, monitorização e recolha de dados);
ii) Planeamento (estratégias, programas e planos);
iii) Económicos e financeiros (instrumentos de apoio financeiro, de compensação ambiental, contratuais, de fiscalidade ambiental, de prestações e garantias financeiras e de mercado);
iv) Avaliação ambiental (prévia à aprovação de programas, planos e projectos, públicos ou privados);
v) Autorização ou licenciamento ambiental (actos permissivos prévios a actividades potencialmente ou efectivamente poluidoras ou susceptíveis de afectar significativamente o ambiente ou a saúde humana);
vi) Desempenho ambiental (melhoria contínua do desempenho ambiental, designadamente a pegada ecológica, a rotulagem ecológica, as compras públicas ecológicas e os sistemas de certificação);
vii) Controlo, fiscalização e inspecção (controlo de actividades susceptíveis de ter um impacto negativo no ambiente). 




A lei entrou em vigor e parece que, de imediato, nada mudou. No entanto, é nossa opinião que a actual lei cumpre de uma forma mais eficaz os propósitos de uma Lei de Base. Recordando as palavras de Vasco Pereira da Silva, uma Lei de Base do Ambiente deve significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos, relativamente às matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de acção das políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares. A lei actual toca em conceitos, problemas e instrumentos actuais que não tinham a mesma importância em 1987, como as alterações climáticas, a sustentabilidade, a fiscalidade verde, a pegada ecológica ou os serviços dos ecossistemas. Aspecto peculiar é o de, a nova lei não conter uma única vez o verbo proibir. Princípios com os quais estamos bastante familiarizados, tais como o de poluidor-pagador, utilizador-pagador ou da precaução, agora contam da LBA, prevendo-se "a aplicação de taxas, preços ou tarifas com vista a promover a utilização racional e eficiente dos recursos ambientais" (art.17º/2/c

                 Vasco Pereira da Silva[10] tem uma «posição claramente favorável à codificação tanto da parte geral como das partes especiais de Direito do Ambiente (ambas igualmente necessárias e urgentes, ainda que, de uma perspectiva prática, talvez fosse mais fácil começar pela parte especial), de modo a permitir elaborar e tornar acessíveis os “mapas do tesouro” que permitam a todos os interessados orientar-se na “selva” da legislação ambiental». Depois de uma revisão à LBA, e continuando a importância dos temas ambientais, poderemos, eventualmente assistir, dentro de pouco tempo, ao aparecimento de um Código do Ambiente, mas isso, já serão contas de outro rosário.


Paulo Cunha Matos
nº20429



[1] Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, p.79
[2] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, In: Actas do Colóquio: A Revisão da Lei de Bases do Ambiente, p. 9
[3] António Capucho na sua declaração de voto aquando da votação em 1987
[4] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, p. 12
[5] Silva, Vasco Pereira,  O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc. XXI?, p. 13
[6] Contrariamente a esta posição de revisão, mostrou-se a Liga para a Protecção da Natureza que, no seu parecer sobre a proposta de lei, critica «a intenção clara de resumir, e simplificar o texto da lei em vigor, configurando-se dessa forma uma potencial desregulamentação da política pública de ambiente em Portugal. O carácter simplista, vago e desresponsabilizante de algum do conteúdo da actual proposta retira-lhe substância, coloca em dúvida a sua solidez enquanto Lei de Bases, priva a proposta da eficácia que se lhe exige e não permite que venha a desempenhar o papel didáctico e conciliador que a lei actual promove.» disponível em: http://www.lpn.pt/Backoffice/UserFiles/menu_lpn/Parecer%20Lei%20Bases%20do%20Ambiente.pdf
[7] http://www.tvi24.iol.pt/politica/seguro-antonio-jose-seguro-aguas-ps-lei-de-bases-ambiente/1536326-4072.html
[8] Verifica-se, desta forma, uma diminuição do número de páginas, de 12 para 5.
[9] Art.5º/2: O direito ao ambiente consiste no direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.
[10]  Silva, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito, p. 43

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