Pouco, ou muito pouco, se
escreveu sobre a nova lei de base do ambiente. Vamos tentar, com os nossos
parcos conhecimentos em Direito do Ambiente, fazer uma breve análise das
alterações que advieram deste novo diploma, fazendo uma curta introdução à Lei
de Bases do Ambiente (LBA) portuguesa.
Mais do que 1976, ano de entrada em vigor
da Constituição e do seu artigo (ambiental) 66º, o ano de 1987 constitui o
ponto de partida formal para a construção da estrutura regulatória ambiental em
Portugal. É com a aprovação da Lei de Bases do Ambiente que se lançam as
fundações necessárias às múltiplas ramificações, funcionais e sectoriais,
posteriores.[1]
A LBA
surge por força do art. 165/1/g da CRP, e aparece como uma tentativa inovadora
de «sistematização e de enquadramento de toda essa regulação
jurídica difusa do domínio ambiental, procurando lançar as bases para o futuro
Direito do Ambiente»[2].
Os propósitos da lei são os melhores: criar traves mestras e princípios orientadores
para legislar em matéria de ambiente. A LBA, sendo um instrumento jurídico de
maior importância, de pouco servirá sem a necessária legislação complementar.[3]
Mas a nova lei (1987) pecou por
excesso. Quis o legislador concretizar em demasia instrumentos que seriam da
competência de diplomas especiais, de certa forma, quis incluir em sede
própria, a concretização para a qual deveria remeter.
No
entanto, a LBA foi consumida pelas directivas europeias. Nos últimos anos, o
aumento das preocupações ambientais, consubstanciou-se num incremento das políticas
legislativas para combater esses problemas. Assim, correu-se o risco da LBA de
pouco, ou nada, servir, dado que não seria, certamente, a LBA portuguesa a
orientar o legislador europeu. Exemplo desta contradição será o art. 30º da
antiga LBA, que trata a existência de estudos de impacte ambiental, só que essa
norma está completamente vazia de conteúdo quando se verifica que a
concretização da mesma está presente no DL 69/2000, de 3 de Maio, que surge por
via europeia e que não se compatibiliza com a regra geral da LBA.
A LBA
«foi importante, na altura e durante
algum tempo, mas hoje em dia é praticamente “letra morta”»[4].
Partindo, provavelmente, deste pressuposto, o legislador concluiu pela
necessária revisão da LBA , que iremos analisar de seguida.
Rever a Lei de Bases do Ambiente, hoje,
deve significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos,
relativamente às matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de
acção das políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares, não mais
do que isso. Rever a lei de bases para fazer outra lei igual à que já existe,
não vale a pena, seria meramente “simbólico” ou “decorativo”, na linha daqueles
autores que (de forma crítica) falam
na “função artística” dos conceitos jurídicos.[5]
Vejamos se “deram ouvidos” a Vasco Pereira
da Silva[6].
Contrariamente
ao que aconteceu em 1987, não se tratou de um diploma de consenso político (na
altura só o CDS votou contra). Na nova lei, toda a oposição votou contra. O
Partido Socialista
especificou as críticas, dizendo que a nova lei abre uma porta para a privatização
da água.[7]
A Nova
LBA caracteriza-se por uma significativa simplificação e sistematização em
comparação com a anterior lei, adaptando-se à legislação publicada nas últimas
décadas e actualizando conceitos, princípios e instrumentos da política de
ambiente. A mudança começa, desde logo, pelo número de artigos: na antiga eram
52, enquanto na nova são 24.[8]
Esta alteração torna o diploma mais acessível, diploma esse que traz sobretudo
conceitos e quase nenhuma norma.
Nos
termos da nova lei (art. 2º), a política de ambiente, cuja realização compete
ao Estado, visa a efectivação dos direitos ambientais através da promoção do desenvolvimento
sustentável, suportada na gestão adequada do ambiente, contribuindo para o
desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e uma “economia verde”,
racional e eficiente na utilização dos recursos naturais, que assegure o
bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos cidadãos. O direito
ao ambiente, outrora no art.2º, está patente no novo art.5º, desta vez
concretizado no seu nº2.[9] Passa
a estabelecer-se, expressamente (art. 6º), que todos os cidadãos gozam dos
direitos de intervenção e de participação nos procedimentos administrativos relativos
ao ambiente, em especial o direito de participação dos cidadãos, das
associações não-governamentais e dos demais agentes interessados, em matéria de
ambiente – art.6º/2/a; e o direito de acesso à informação ambiental detida por
entidades públicas – art.6º/2/b.
Estipula-se
– art. 8º – que o direito ao ambiente é indissociável do dever de o proteger,
de o preservar e de o respeitar, numa perspectiva de futuro, pensar em ambiente
como algo a conservar. Introduz-se assim o conceito de dever ambiental. No nº2
do art.8º aparece uma nova noção – a de cidadania ambiental – que consiste no
dever de contribuir para a criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
e, na óptica do uso eficiente dos recursos e tendo em vista a progressiva
melhoria da qualidade vida, para a sua protecção e preservação.
A LBA de
1987 identificava, com precisão, os instrumentos que o país devia ter para
orientar a sua política de ambiente, e fixava prazos para a sua regulamentação,
o que já não acontece na nova LBA, dizendo apenas, no seu art.12º (sob a epigrafe
– execução da política de ambiente) que «a
política de ambiente deve estabelecer legislação específica para cada um dos
componentes identificados nos artigos anteriores, consentânea com as políticas europeias
e internacionais aplicáveis em cada domínio, com vista à definição de objetivos
e à aplicação de medidas especificas».
No capítulo V aparecem os instrumentos da política de ambiente (Capítulo IV da antiga LBA) que sofreram uma revisão , encontrando-se agora organizados em 7 categorias:
i) Informação ambiental (conhecimento e informação disponíveis, monitorização e recolha de dados);
ii) Planeamento (estratégias, programas e planos);
iii) Económicos e financeiros (instrumentos de apoio financeiro, de compensação ambiental, contratuais, de fiscalidade ambiental, de prestações e garantias financeiras e de mercado);
iv) Avaliação ambiental (prévia à aprovação de programas, planos e projectos, públicos ou privados);
v) Autorização ou licenciamento ambiental (actos permissivos prévios a actividades potencialmente ou efectivamente poluidoras ou susceptíveis de afectar significativamente o ambiente ou a saúde humana);
vi) Desempenho ambiental (melhoria contínua do desempenho ambiental, designadamente a pegada ecológica, a rotulagem ecológica, as compras públicas ecológicas e os sistemas de certificação);
vii) Controlo, fiscalização e inspecção (controlo de actividades susceptíveis de ter um impacto negativo no ambiente).
A lei
entrou em vigor e parece que, de imediato, nada mudou. No entanto, é nossa
opinião que a actual lei cumpre de uma forma mais eficaz os propósitos de uma
Lei de Base. Recordando as palavras de Vasco Pereira da Silva, uma Lei de Base
do Ambiente deve
significar o estabelecimento de regras e princípios genéricos, relativamente às
matérias dos componentes ambientais, das principais linhas de acção das
políticas públicas, dos direitos e deveres dos particulares. A lei
actual toca em conceitos, problemas e instrumentos actuais que não tinham a
mesma importância em 1987, como as alterações climáticas, a sustentabilidade, a
fiscalidade verde, a pegada ecológica ou os serviços dos ecossistemas. Aspecto
peculiar é o de, a nova lei não conter uma única vez o verbo proibir. Princípios com os quais estamos bastante familiarizados, tais como o de poluidor-pagador, utilizador-pagador ou da precaução, agora contam da LBA, prevendo-se "a aplicação de taxas, preços ou tarifas com vista a promover a utilização racional e eficiente dos recursos ambientais" (art.17º/2/c
Vasco
Pereira da Silva[10]
tem uma «posição
claramente favorável à codificação tanto da parte geral como das partes
especiais de Direito do Ambiente (ambas igualmente necessárias e urgentes,
ainda que, de uma perspectiva prática, talvez fosse mais fácil começar pela
parte especial), de modo a permitir elaborar e tornar acessíveis os “mapas do
tesouro” que permitam a todos os interessados orientar-se na “selva” da
legislação ambiental». Depois de uma revisão à LBA, e continuando a
importância dos temas ambientais, poderemos, eventualmente assistir, dentro de
pouco tempo, ao aparecimento de um Código do Ambiente, mas isso, já serão
contas de outro rosário.
Paulo Cunha Matos
nº20429
[2]
Silva,
Vasco Pereira, O que deve conter uma Lei de Bases do Ambiente para o séc.
XXI?, In:
Actas do Colóquio: A Revisão da Lei de Bases do Ambiente, p. 9
[6] Contrariamente a esta
posição de revisão, mostrou-se a Liga para a Protecção da Natureza que, no seu
parecer sobre a proposta de lei, critica «a
intenção clara de resumir, e simplificar o texto da lei em vigor, configurando-se dessa
forma uma potencial desregulamentação da
política pública de ambiente em Portugal. O carácter simplista, vago e
desresponsabilizante de algum do conteúdo da actual proposta retira-lhe
substância, coloca em dúvida a sua solidez enquanto Lei de Bases, priva a
proposta da eficácia que se lhe exige e não permite que venha a desempenhar o
papel didáctico e conciliador que a lei actual promove.» disponível em: http://www.lpn.pt/Backoffice/UserFiles/menu_lpn/Parecer%20Lei%20Bases%20do%20Ambiente.pdf
[7]
http://www.tvi24.iol.pt/politica/seguro-antonio-jose-seguro-aguas-ps-lei-de-bases-ambiente/1536326-4072.html
[8]
Verifica-se, desta
forma, uma diminuição do número de páginas, de 12 para 5.
[9] Art.5º/2: O direito ao ambiente consiste no direito de
defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente
protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e
privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a
que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.
Visto.
ResponderEliminar