quarta-feira, 16 de abril de 2014

As providências cautelares em Direito do Ambiente - mais vale prevenir que remediar!

            
            Quando está em causa a defesa do meio ambiente, é necessário agir de forma preventiva, de modo a evitar que se possam produzir danos. Muitas vezes as lesões ambientais podem ser totalmente irreversíveis. Devido a tal urgência de protecção, as acções ambientais principais/definitivas podem não ser as mais adequadas para uma defesa ecológica imediata, de forma a evitar que tais danos irreversíveis se produzam. Esta defesa muitas vezes não se compatibiliza com o tempo que demora a decisão judicial a ser produzida, podendo surgir, no entretanto, graves lesões ecológicas. 
            Por isso, quando o ambiente se encontra em risco, é determinante que seja proferida uma decisão célere, mesmo que provisória, e imediata, que mesmo não decidindo a questão de forma definitiva, permita evitar a produção de danos irreversíveis durante o tempo em que a acção principal é decidida. Dentro da tutela provisória temos então as providências cautelares previstas no CPC (362ºss) e no CPTA (112ºss), que podem servir na protecção ambiental. Estas providências têm carácter acessório e provisório. Elas visam salvaguardar os efeitos úteis de um processo principal, que está ou irá correr em tribunal. Como diz a Professora Carla Amado Gomes "são processos formalmente autónomos, podendo ser intentados antes, quando ou durante a instauração da acção principal, correndo por apenso a esta, tal como está previsto nos artigos 364º CPC e 113º/2 CPTA". Como já dissemos anteriormente, em muitas situações o ambiente "não se pode dar ao luxo de esperar" pela decisão da acção principal que poderá levar algum tempo, e desta forma teremos uma decisão interina da questão, seja de forma a conservar o estado da relação controvertida (providências conservatórias) ou a antecipar a decisão que se procura obter (providências antecipatórias).
             Devemos em primeiro lugar referir as características fundamentais das providências cautelares: instrumentalidade, provisoriedade e sumaridade. Em relação à instrumentalidade, esta corresponde à dependência em relação à acção principal, ou seja, as providências não podem ser intentadas sem estarem acompanhadas por um processo principal (a decisão proferida na medida cautelar tem como objectivo assegurar a efectividade da sentença desse processo) - 113º/1 CPTA. A provisoriedade consiste em não se estar nestas situações perante uma decisão definitiva do litígio (é apenas uma decisão interina). E finalmente a sumaridade que está relacionada com a decisão célere da questão, que caracteriza este meio processual.
             É de assinalar que a concessão de providências cautelares no Direito do Ambiente está bastante ligada ao princípio da precaução. Um dos principais objectivos deste ramo do Direito é a protecção da natureza, do meio ambiente. Pretende-se evitar lesões ambientais, com a adopção de uma lógica preventiva, e não apenas de reacção a danos já produzidos. Existe uma clara lógica preventiva, percebendo-se a necessária ligação existente entre providências cautelares e o princípio da precaução. Temos aqui uma preocupação a priori a esse dano, que está presente tanto no princípio da precaução como no objectivo principal de salvaguarda do direito, que está presente nas providências. Como muitas vezes os danos ambientais são rápidos e totalmente irreversíveis percebe-se bem o porquê da utilização de acções provisórias, pois  com a sua utilização consegue-se evitar a produção de danos enquanto corre o processo em tribunal - que na maioria das vezes, infelizmente, é bastante longo). 
             Dentro dos pressupostos das providências temos o periculum in mora (situações em que existe perigo na mora, perigo que resulte da espera de decisão). Muitas vezes é necessária uma composição provisória do litígio de forma a evitar a produção de um prejuízo grave e irreparável que ameace um bem jurídico ambiental. Sem que este requisito seja preenchido, o juiz cautelar não pode conceder uma providência. No âmbito do Direito do Ambiente, alguma doutrina tem defendido que deverá existir uma inversão no ónus da prova quanto à iminência ou não de perigo na mora. Muitas são as vezes em que sendo a prova incumbência do lesado/requerente, e não tendo este os recursos necessários para demonstrar a iminência do perigo, seria demasiado difícil conseguir o decretamento da medida cautelar. Neste sentido, alguns autores defendem que, como melhor forma de proteger o ambiente, a prova do periculum in mora deveria incumbir ao lesante. Para a professor Carla Amado Gomes poder-se-á permitir tal inversão desde que preenchidos 3 requisitos: a sua finalidade seja a protecção preventiva de valores constitucionalmente tutelados; a sua configuração resulte de uma necessidade devidamente fundamentada de garantia da efectividade da justiça ambiental; e que a sua consagração não possa implicar um desequilíbrio intolerável das posições processuais de cada parte, que poderia levar à violação do princípio do processo equitativo na vertente do princípio da igualdade de armas, 18º/2 e 20º/4 CRP).
             O que devemos pensar de tal opinião? De facto, por vezes é demasiado complicado para um particular demonstra que certo bem natural está em perigo. Sendo-lhe difícil tal demonstração do dano, conseguir a prova de que foi um agente x que colocou em perigo tal bem será então ainda mais complicado. Em muitas situações de potenciais lesões ambientais, estar-se-ia perante uma verdadeira prova diabólica. Se olhar-mos para os valores que estão em causa, podemos considerar não ser violador da proporcionalidade exigir ao potencial lesante a prova de que a sua actividade não provoca risco iminente para o ambiente. Impera neste âmbito o princípio da prevenção. É preferível agir pelo seguro, não dando azo a uma lesão ambiental que poderia ter sido evitada e que só não o foi por questões probatórias. Mas obviamente devemos respeitar os requisitos avançados pela professora Carla Amado Gomes, pois de outra forma poderíamos estar "a ir longe demais" e a restringir em demasia os direitos da parte contrária.
            Outro dos requisitos das providências cautelares é o fumus boni iuris (aparência de bom direito). Este convoca um juízo de probabilidade em relação à existência do direito. Nas palavras de José Alberto dos Reis "o tribunal, antes de emitir a providência não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito". Não existindo uma tal aparência também não existirá interesse da parte do ordenamento jurídico em que a providência cautelar seja decretada, pois ela não irá dessa forma cumprir a sua função de assegurar a utilidade e efectividade de uma futura sentença de provimento. Para o professor Tiago Antunes este é mesmo o critério principal, à face do disposto no CPTA. Se estivermos perante um fumus boni iuris manifesto (uma evidência de bom direito) o 120º/1,a) CPTA determina que a medida cautelar requerida seja logo concedida sem haver necessidade de mais averiguações. Ele só por si irá bastar para que o juiz cautelar se deva decidir pela concessão imediata da providência em questão. Nos casos de manifesta procedência do processo principal justificar-se-ia não existir lugar à ponderação dos interesses conflituantes no caso concreto. Será totalmente desnecessário e inútil ponderar interesses contrapostos quando o mérito da pretensão é notório. Considera porém, este autor, que não se justifica o afastamento do requisito do periculum in mora, pois essa existência de perigo que carece de protecção urgente é a grande razão de ser da tutela cautelar. Só fará sentido a aplicação de uma medida cautelar se existir um perigo decorrente da mora na resolução do processo principal. De outo modo não existe qualquer interesse processual, e a providência deve nesse caso ser considerada abusiva. O CPTA faz ainda uma distinção em relação à gradação do fumus boni iuri, consoante tenha sido requerida providência conservatória ou antecipatória (120º/1,b) e c) CPTA). No caso das conservatórias, bastará uma aparência de bom direito pela negativa (chega que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no pedido principal); nas antecipatórias, é necessário que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (aparência de bom direito pela positiva).
             O que pensar desta diferença de tratamento? Para o professor Tiago Antunes, esta diferenciação não tem justificação e revela um preconceito que já não faz sentido em face do actual CPTA. Não existem motivos para que a lei discrimine as providências antecipatórias face às conservatórias. Esta situação apenas se poderia justificar no quadro da anterior LPTA em que não era possível, praticamente, condenar a administração nem intimá-la a actuar ou deixar de actuar de certa forma. Porém e à luz do CPTA, tal situação deixou de fazer qualquer sentido. O autor conclui que esta diferente gradação do fumus boni iuris é um resquício de concepções limitadas do contencioso administrativo, concepções essas que já deveriam estar totalmente ultrapassadas.
            Finalmente o último requisito dos procedimentos cautelares é a ponderação dos interesses em jogo. Este implica que o juiz deve ponderar todos os interesses relevantes em causa. Resulta daqui que o juiz deverá negar a concessão de uma medida cautelar quando se demonstre que os prejuízos resultantes da concessão serão superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão (120º/2 CPTA).
        Dentro dos procedimentos cautelares temos: providências cautelares conservatórias e antecipatórias. Em relação às primeiras, elas permitem assegurar a manutenção da situação em causa, e permitem assim evitar qualquer lesão ecológica antes de chegar-mos a uma situação irreversível e irreparável. Como importante exemplo deste género de providência temos o embargo de obra nova. Neste âmbito o artigo 399º CPC poderia levantar algumas dúvidas. Aí se estabelece que as obras promovidas pelo Estado, demais pessoas colectivas públicas e concessionários de obras e serviços públicos, não podem ser embargadas quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso. Para Carla Amado Gomes o que o legislador pretende é afirmar a tendencial suficiência do contencioso administrativo para reger certos litígios que envolvam obras ilegais nomeadamente através da suspensão de eficácia do acto administrativo. Em segundo lugar, temos as providências cautelares antecipatórias. De facto, em muitas ocasiões, não basta paralisar certas actividades e manter tudo inalterado. Por vezes é mesmo necessário antecipar certos efeitos jurídicos, que se não forem postos em marcha podem revelar-se muito tardios e inúteis. De facto, nem sempre as lesões ambientais decorrem de certas actividades ou condutas passíveis de paralisação. Elas surgem por vezes de inércia administrativa, de falta de fiscalização ou omissões de particulares. Em tais situações será mais adequada uma tutela antecipatória, constituindo ou antecipando efeitos jurídicos inovadores. Para Tiago Antunes, por vezes a opção por este género de providências pode ser a mais sensata, dando mesmo um exemplo: "Em vez de suspender a título provisório, a laboração de uma fábrica, o juiz administrativo poderá optar pela imposição de utilização de certos filtros ou pela fixação provisória de um novo horário de funcionamento, que seja menos lesivo para quem é afectado pelos barulhos da fábrica".
            Pode assim muitas vezes ser útil o uso de uma providência cautelar, pois pode ser necessário recorrer a um meio mais lesto, que pode ser posto em vigor quase imediatamente, o que é muito relevante. De facto, em matéria ambiental, como já se disse anteriormente, uma certa actuação pode ter efeitos nocivos irreparáveis para o ambiente. É obviamente positivo que se possa usar um meio mais rápido que uma acção principal, que infelizmente, pode ser muito demorada, para protegermos estas situações em concreto, podendo pedir-se ao Tribunal que se evitem as actividades nocivas ao ambiente quase em simultâneo ao desenrolar dessa actividade. Seria danoso, por exemplo, se perante uma obra que lesava o ambiente, se tivesse que intentar uma acção principal e enquanto se esperasse uma decisão do tribunal, tal obra tivesse de continuar? Ter-se-ia de "aguentar" que efeitos negativos se continuassem a produzir até que o juiz decidisse a favor da pretensão. Consideramos assim que as providências são um instrumento fundamental para a prevenção e protecção ambiental. Muitas vezes chegar-se-ia muito tarde a uma solução se se esperasse que certo processo corresse os trâmites processuais. A justiça portuguesa é, lamentavelmente lenta, logo não cumprido muitas vezes as necessidades de urgência ou iminência de lesões ao ambiente. As providências apresentam-se como um excelente meio de protecção de bens naturais pela sua celeridade, conseguindo-se dar resposta às exigências que se colocam. E acabando com outro provérbio popular,poderíamos dizer assim, que "no prevenir está o ganho".
            

Bibliografia:

ANTUNES, Tiago, "Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente: Verdes Textos I", AAFDL, 2014

GOMES, Carla Amado, "As providências Cautelares e o Princípio da Precaução: Ecos da Jurisprudência", Separata da Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº10, 2007

GOMES, Carla Amado, "Introdução ao Direito do Ambiente", AAFDL, 2ª edição, 2014

Bruno Dias, 19525




          

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