Quando está em causa a
defesa do meio ambiente, é necessário agir de forma preventiva, de modo a
evitar que se possam produzir danos. Muitas vezes as lesões ambientais podem
ser totalmente irreversíveis. Devido a tal urgência de protecção, as acções
ambientais principais/definitivas podem não ser as mais adequadas para uma
defesa ecológica imediata, de forma a evitar que tais danos irreversíveis se
produzam. Esta defesa muitas vezes não se compatibiliza com o tempo que demora
a decisão judicial a ser produzida, podendo surgir, no entretanto, graves
lesões ecológicas.
Por isso, quando o ambiente se encontra em
risco, é determinante que seja proferida uma decisão célere, mesmo que provisória,
e imediata, que mesmo não decidindo a questão de forma definitiva, permita
evitar a produção de danos irreversíveis durante o tempo em que a acção
principal é decidida. Dentro da tutela provisória temos então as providências
cautelares previstas no CPC (362ºss) e
no CPTA (112ºss), que podem servir
na protecção ambiental. Estas providências têm carácter acessório e provisório. Elas visam salvaguardar os efeitos úteis de
um processo principal, que está ou irá correr em tribunal. Como diz a Professora Carla Amado Gomes "são
processos formalmente autónomos, podendo ser intentados antes, quando ou
durante a instauração da acção principal, correndo por apenso a esta, tal como
está previsto nos artigos 364º CPC e
113º/2 CPTA". Como já dissemos anteriormente, em muitas situações o
ambiente "não se pode dar ao luxo de esperar" pela decisão da acção
principal que poderá levar algum tempo, e desta forma teremos uma decisão
interina da questão, seja de forma a conservar o estado da relação
controvertida (providências
conservatórias) ou a antecipar a decisão que se procura obter (providências antecipatórias).
Devemos em primeiro lugar referir as
características fundamentais das providências cautelares: instrumentalidade, provisoriedade e sumaridade. Em relação à instrumentalidade, esta corresponde à
dependência em relação à acção principal, ou seja, as providências não podem
ser intentadas sem estarem acompanhadas por um processo principal (a decisão
proferida na medida cautelar tem como objectivo assegurar a efectividade da
sentença desse processo) - 113º/1 CPTA.
A provisoriedade consiste em não se
estar nestas situações perante uma decisão definitiva do litígio (é apenas uma
decisão interina). E finalmente a sumaridade
que está relacionada com a decisão célere da questão, que caracteriza este
meio processual.
É de assinalar que a concessão de providências
cautelares no Direito do Ambiente está bastante ligada ao princípio da
precaução. Um dos principais objectivos deste ramo do Direito é a protecção da
natureza, do meio ambiente. Pretende-se evitar lesões ambientais, com a adopção
de uma lógica preventiva, e não apenas de reacção a danos já produzidos. Existe
uma clara lógica preventiva, percebendo-se a necessária ligação existente entre
providências cautelares e o princípio da precaução. Temos aqui uma preocupação a
priori a esse dano, que está presente tanto no princípio da precaução
como no objectivo principal de salvaguarda do direito, que está presente nas
providências. Como muitas vezes os danos ambientais são rápidos e totalmente
irreversíveis percebe-se bem o porquê da utilização de acções provisórias,
pois com a sua utilização consegue-se
evitar a produção de danos enquanto corre o processo em tribunal - que na
maioria das vezes, infelizmente, é bastante longo).
Dentro
dos pressupostos das providências temos o periculum in mora (situações em que
existe perigo na mora, perigo que resulte da espera de decisão). Muitas vezes é
necessária uma composição provisória do litígio de forma a evitar a produção de
um prejuízo grave e irreparável que ameace um bem jurídico ambiental. Sem que
este requisito seja preenchido, o juiz cautelar não pode conceder uma
providência. No âmbito do Direito do Ambiente, alguma doutrina tem defendido
que deverá existir uma inversão no ónus da prova quanto à iminência ou não de
perigo na mora. Muitas são as vezes em que sendo a prova incumbência do
lesado/requerente, e não tendo este os recursos necessários para demonstrar a
iminência do perigo, seria demasiado difícil conseguir o decretamento da medida
cautelar. Neste sentido, alguns autores defendem que, como melhor forma de
proteger o ambiente, a prova do periculum
in mora deveria incumbir ao lesante. Para a professor Carla Amado Gomes poder-se-á permitir tal inversão desde
que preenchidos 3 requisitos: a sua finalidade seja a protecção preventiva de
valores constitucionalmente tutelados; a sua configuração resulte de uma
necessidade devidamente fundamentada de garantia da efectividade da justiça
ambiental; e que a sua consagração não possa implicar um desequilíbrio intolerável
das posições processuais de cada parte, que poderia levar à violação do
princípio do processo equitativo na vertente do princípio da igualdade de
armas, 18º/2 e 20º/4 CRP).
O
que devemos pensar de tal opinião? De facto, por vezes é demasiado complicado
para um particular demonstra que certo bem natural está em perigo. Sendo-lhe
difícil tal demonstração do dano, conseguir a prova de que foi um agente x que
colocou em perigo tal bem será então ainda mais complicado. Em muitas situações
de potenciais lesões ambientais, estar-se-ia perante uma verdadeira prova
diabólica. Se olhar-mos para os valores que estão em causa, podemos considerar
não ser violador da proporcionalidade exigir ao potencial lesante a prova de
que a sua actividade não provoca risco iminente para o ambiente. Impera neste
âmbito o princípio da prevenção. É preferível agir pelo seguro, não dando azo a
uma lesão ambiental que poderia ter sido evitada e que só não o foi por
questões probatórias. Mas obviamente devemos respeitar os requisitos avançados
pela professora Carla Amado Gomes,
pois de outra forma poderíamos estar "a ir longe demais" e a
restringir em demasia os direitos da parte contrária.
Outro
dos requisitos das providências cautelares é o fumus boni iuris (aparência
de bom direito). Este convoca um juízo de probabilidade em relação à existência
do direito. Nas palavras de José Alberto dos Reis "o tribunal, antes de
emitir a providência não se certifica, com segurança, da existência do direito
que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a
verificar a aparência do direito". Não existindo uma tal aparência também
não existirá interesse da parte do ordenamento jurídico em que a providência
cautelar seja decretada, pois ela não irá dessa forma cumprir a sua função de
assegurar a utilidade e efectividade de uma futura sentença de provimento. Para
o professor Tiago Antunes este é
mesmo o critério principal, à face do disposto no CPTA. Se estivermos perante
um fumus boni iuris manifesto (uma
evidência de bom direito) o 120º/1,a)
CPTA determina que a medida cautelar requerida seja logo concedida sem
haver necessidade de mais averiguações. Ele só por si irá bastar para que o
juiz cautelar se deva decidir pela concessão imediata da providência em
questão. Nos casos de manifesta procedência do processo principal justificar-se-ia
não existir lugar à ponderação dos interesses conflituantes no caso concreto.
Será totalmente desnecessário e inútil ponderar interesses contrapostos quando
o mérito da pretensão é notório. Considera porém, este autor, que não se
justifica o afastamento do requisito do periculum
in mora, pois essa existência de perigo que carece de protecção urgente é a
grande razão de ser da tutela cautelar. Só fará sentido a aplicação de uma
medida cautelar se existir um perigo decorrente da mora na resolução do
processo principal. De outo modo não existe qualquer interesse processual, e a
providência deve nesse caso ser considerada abusiva. O CPTA faz ainda uma
distinção em relação à gradação do fumus
boni iuri, consoante tenha sido requerida providência conservatória ou
antecipatória (120º/1,b) e c) CPTA). No
caso das conservatórias, bastará uma
aparência de bom direito pela negativa (chega
que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a
formular no pedido principal); nas antecipatórias,
é necessário que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no
processo principal venha a ser julgada procedente (aparência de bom direito
pela positiva).
O
que pensar desta diferença de tratamento? Para o professor Tiago Antunes, esta diferenciação não tem justificação e revela um
preconceito que já não faz sentido em face do actual CPTA. Não existem motivos
para que a lei discrimine as providências antecipatórias face às
conservatórias. Esta situação apenas se poderia justificar no quadro da
anterior LPTA em que não era possível, praticamente, condenar a administração
nem intimá-la a actuar ou deixar de actuar de certa forma. Porém e à luz do
CPTA, tal situação deixou de fazer qualquer sentido. O autor conclui que esta
diferente gradação do fumus boni iuris é
um resquício de concepções limitadas do contencioso administrativo, concepções
essas que já deveriam estar totalmente ultrapassadas.
Finalmente o último requisito dos
procedimentos cautelares é a ponderação
dos interesses em jogo. Este implica que o juiz deve ponderar todos os
interesses relevantes em causa. Resulta daqui que o juiz deverá negar a
concessão de uma medida cautelar quando se demonstre que os prejuízos
resultantes da concessão serão superiores aos prejuízos que resultariam da não
concessão (120º/2 CPTA).
Dentro
dos procedimentos cautelares temos: providências
cautelares conservatórias e antecipatórias. Em relação às primeiras, elas
permitem assegurar a manutenção da situação em causa, e permitem assim evitar
qualquer lesão ecológica antes de chegar-mos a uma situação irreversível e
irreparável. Como importante exemplo deste género de providência temos o embargo de obra nova. Neste âmbito o
artigo 399º CPC poderia levantar
algumas dúvidas. Aí se estabelece que as obras promovidas pelo Estado, demais
pessoas colectivas públicas e concessionários de obras e serviços públicos, não
podem ser embargadas quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa,
a defesa dos direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios
previstos na lei de processo administrativo contencioso. Para Carla Amado Gomes o que o legislador
pretende é afirmar a tendencial suficiência do contencioso administrativo para reger
certos litígios que envolvam obras ilegais nomeadamente através da suspensão de
eficácia do acto administrativo. Em segundo lugar, temos as providências cautelares antecipatórias. De
facto, em muitas ocasiões, não basta paralisar certas actividades e manter tudo
inalterado. Por vezes é mesmo necessário antecipar certos efeitos jurídicos,
que se não forem postos em marcha podem revelar-se muito tardios e inúteis. De
facto, nem sempre as lesões ambientais decorrem de certas actividades ou
condutas passíveis de paralisação. Elas surgem por vezes de inércia
administrativa, de falta de fiscalização ou omissões de particulares. Em tais
situações será mais adequada uma tutela antecipatória, constituindo ou
antecipando efeitos jurídicos inovadores. Para Tiago Antunes, por vezes a opção por este género de providências
pode ser a mais sensata, dando mesmo um exemplo: "Em vez de suspender a
título provisório, a laboração de uma fábrica, o juiz administrativo poderá
optar pela imposição de utilização de certos filtros ou pela fixação provisória
de um novo horário de funcionamento, que seja menos lesivo para quem é afectado
pelos barulhos da fábrica".
Pode
assim muitas vezes ser útil o uso de uma providência cautelar, pois pode ser
necessário recorrer a um meio mais lesto, que pode ser posto em vigor quase
imediatamente, o que é muito relevante. De facto, em matéria ambiental, como já
se disse anteriormente, uma certa actuação pode ter efeitos nocivos
irreparáveis para o ambiente. É obviamente positivo que se possa usar um meio
mais rápido que uma acção principal, que infelizmente, pode ser muito demorada,
para protegermos estas situações em concreto, podendo pedir-se ao Tribunal que
se evitem as actividades nocivas ao ambiente quase em simultâneo ao desenrolar
dessa actividade. Seria danoso, por exemplo, se perante uma obra que lesava o
ambiente, se tivesse que intentar uma acção principal e enquanto se esperasse
uma decisão do tribunal, tal obra tivesse de continuar? Ter-se-ia de
"aguentar" que efeitos negativos se continuassem a produzir até que o
juiz decidisse a favor da pretensão. Consideramos assim que as providências são
um instrumento fundamental para a prevenção e protecção ambiental. Muitas vezes
chegar-se-ia muito tarde a uma solução se se esperasse que certo processo
corresse os trâmites processuais. A justiça portuguesa é, lamentavelmente
lenta, logo não cumprido muitas vezes as necessidades de urgência ou iminência
de lesões ao ambiente. As providências apresentam-se como um excelente meio de
protecção de bens naturais pela sua celeridade, conseguindo-se dar resposta às
exigências que se colocam. E acabando com outro provérbio popular,poderíamos
dizer assim, que "no prevenir está o ganho".
Bibliografia:
ANTUNES, Tiago, "Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente: Verdes Textos I", AAFDL, 2014
GOMES, Carla Amado, "As providências Cautelares e o Princípio da Precaução: Ecos da Jurisprudência", Separata da Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº10, 2007
GOMES, Carla Amado, "Introdução ao Direito do Ambiente", AAFDL, 2ª edição, 2014
Bruno Dias, 19525
Sem comentários:
Enviar um comentário