sexta-feira, 25 de abril de 2014

Proteção Europeia verde: vias de atuação para a protecção do ambiente na Europa


O ambiente é uma preocupação de dimensão global, onde cada vez mais se exige por parte dos governos nacionais e das organizações internacionais uma resposta ativa e eficaz.

A União Europeia tem vindo a assumir um papel central quanto ás questões ambientais, procurando ser pioneira na procura de novas medidas de atuação e indo mais além do que fica estabelecido em convenções internacionais, o que só pode ser alcançado numa Comunidade de Direito.
È necessário fazer intervir o Direito na área ambiental, de forma a garantir medidas que garantam a sua correta protecção, atuando não só num plano posterior, mas também investir numa correta política de informação e prevenção.
Cabe ao Direito contencioso do ambiente tomar posição e garantir que o princípio da tutela jurisdicional efectiva está em perfeita harmonia com a protecção da realidade ambiental.
 No Tratado de Roma houve um acolhimento material e substantivo da protecção do ambiente, no entanto, o mesmo não ocorreu ao nível do contencioso, situação que criou uma lacuna gravosa que perdurou no Direito europeu, e que, tal como refere Vasco Pereira da Silva obriga o aplicador do direito a «esforços de esverdeamento dos meios processuais genéricos»[1].



                               Vias não jurisdicionais



-Provedor de Justiça Europeu


No âmbito da protecção ambiental, o Provedor de Justiça Europeu, que consta do artigo 228º TUE, é encarado como uma instituição de denúncia pública. 
È nomeado pelo Parlamento europeu, mas é dele completamente independente, devendo elaborar relatórios anuais através dos quais dá a conhecer os casos apreciados.
A apresentação de queixas por irregularidades praticadas em procedimentos concursais, a recusa de prestação de informações e a ilegalidade de decisões da Comissão são as questões que mais frequentemente são levadas ao conhecimento do Provedor.
A competência do Provedor de Justiça Europeu centra-se no preenchimento do conceito de «má administração».
A denúncia encontra-se limitada a mecanismos de inquérito, «reporting» e recomendação de atuação administrativa dos órgãos da União.
Ao se limitar a estes três mecanismos, as hipóteses de controlo de ilegalidade das decisões dirigidas a particulares e empresas são reduzidas, eximindo directivas e regulamentos os quais podem, directa ou indirectamente, implicar lesões ambientais.[2]
Como forma de dirimir esta limitação, o queixoso não tem que provar um interesse individual e directo na apresentação da queixa pelo que, queixas promovidas através da acção popular, relativas a assuntos mais abrangentes, constituem, por conseguinte, parte do trabalho do Provedor, não tendo o sujeito que fundamentar a queixa num qualquer direito subjectivo.
È de salientar que após o recebimento da queixa, o Provedor investiga e emite um diagnóstico.
Este diagnóstico, apesar de não ter carácter vinculativo, exerce uma importante função de censura pública, que influencia a opinião pública e surte um efeito inibitório que permite consciencializar e sedimentar uma lógica ambiental de dimensões europeias.


-Direito de Petição ao parlamento Europeu



O Tratado de Lisboa introduziu uma inovação importante neste domínio, pois através do direito de petição colectiva permite-se uma pré-iniciativa popular europeia que permite a pelo menos um milhão de cidadãos, oriundos de um número «significativo» de Estados Membros,  apresentar uma petição à Comissão, que elabora uma iniciativa legislativa a propôr ao Parlamento e ao Conselho a adoção de um determinado ato jurídico.

Está subjacente a este mecanismo um apelo à ecocidadania, conceito que ganhou maior expressão com a Convenção de Aarhus.
Esta Convenção entrou em vigor a 30 de Outubro de 2001 e expressa o conceito fundamental que a melhoria da participação e sensibilização dos cidadãos para os problemas ambientais conduz a uma melhoria da protecção do ambiente.

Para concretizar, a Convenção propôs uma intervenção em três domínios, nomeadamente:

-Garantia do acesso do público à informação sobre ambiente de que dispõem as autoridades públicas.
-Promoção da participação do público na tomada de decisões com efeitos sobre o ambiente.
-Alargarmento das condições de acesso à justiça em matéria de ambiente.

Ao fomentar o conceito de ecocidadania, esta Convenção permitiu tomar as medidas legislativas, regulamentares ou outras necessárias de forma a sedimentar este conceito, permitir que os funcionários e as autoridades públicas auxiliem e aconselhem os cidadãos, para que estes tenham acesso à informação, participem no processo de tomada de decisões e tenham acesso à justiça.
Favoreceu também a educação ecológica do público e sensibilizá-lo para as questões ambientais, e reconheceu e apoiou as associações, grupos e organizações que têm como objectivo a protecção do ambiente.

Em termos práticos, a Convenção de Aarhus, foi transposta para o direito comunitário através da Directiva 2003/4/CE[3] (acesso do público à informação), Directiva 2003/35/CE [4](participação do público nos procedimentos ambientais).

Atualmente, o artigo 11.º, n.º 4, do TUE estabelece o quadro base, enquanto o artigo 24.º/ 1 estabelece os princípios gerais para um regulamento que defina os procedimentos concretos e as condições específicas.
A proposta de regulamento foi o resultado de uma consulta alargada realizada no âmbito do Livro Verde da Comissão Europeia (COM(2009)0622.
 A iniciativa de cidadania europeia (ou pré iniciativa legislativa popular europeia) entrou em vigor através do Regulamento (UE) n.º 211/2011, em 1 de Abril de 2011[5].


Cabe ressalvar que no direito de petição simples, as petições podem ser apresentadas por cidadãos da UE, bem como por pessoas singulares ou coletivas residentes na UE , e têm que abordar matérias que se insiram no âmbito de atividades da UE e que afetem diretamente o peticionário. São dirigidas ao Parlamento na qualidade de representante direto dos cidadãos a nível da EU.
A iniciativa de cidadania europeia, substancialmente tem que cumprir regras específicas e é primeiramente dirigida à Comissão.

Antes da sua entrada em vigor, a 1 de Abril de 2012 várias organizações tentaram lançar iniciativas semelhantes à ICE, como foi o caso do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência, ou da Greenpeace.
Atualmente, encontram-se registadas nove iniciativas, em fase de recolha.


Tal como refere Carla Amado Gomes, o direito à participação «traduz uma espécie de direito inerente à vivência comunitária» e «o direito à participação em procedimentais ambientais constitui uma pretensão de activação de cidadania, um motor de integração social e um penhor da paz comunitária[6]».


  ________________________________ Vias jurisdicionais


São duas as formas mais adequadas de contestação da validade de um ato comunitário atentatório da integridade de bens ambientais, nomeadamente o recurso de anulação e o reenvio prejudicial.

- Recurso de anulação

O recurso de anulação faz parte dos recursos que podem ser interpostos perante o Tribunal de Justiça da União Europeia e é a principal via de controlo da legalidade, estando regulado no 263º TFUE.
Este recurso é um « (…) misto de acção de fiscalização (sucessiva abstracta) da constitucionalidade e de acção administrativa (especial)[7] ».
O recurso de anulação pode ser interposto pelas instituições europeias ou por particulares em condições específicas.
Há um controlo exclusivo por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)de todos  os atos emanados da UE, desde que produtores de efeitos jurídicos em relação a terceiros, independentemente da sua designação, forma ou natureza.
Visa controlar a legalidade do ato, mas sem que o tribunal interfira no conteúdo do mesmo.

È ao nível do pressuposto da legitimidade ativa que surge um problema que permite afirmar que a utilidade deste recurso em sede ambiental não é manifesta, pois o 263º/4 TFUE impõe que os recorrentes tenham sido «direta e individualmente» afectados pelo ato contestado, o que limita o acesso dos particulares ao recurso de anulação a esta «necessidade qualificada de tutela»[8].

Surge então a questão de saber como pode ser requerida a anulação de um ato que provoca danos num bem de fruição colectiva, onde os efeitos lesivos de difundem por todos aqueles que usufruem das suas qualidades imateriais, não afectando como tal, ninguém «direta e individualmente»[9]?
Para os autores que defendem que o conteúdo do direito do ambiente é de direito subjectivo, não haveria problema de maior, pois defendem a apropriação individual do ambiente, no entanto esta tese recebe críticas no sentido que «só por artifício poderemos reconhecer legitimidade directa ao lesado/ofendido», além de que “«(…) a identificação de um titular do bem seria, neste caso, uma mera fantasia[10]».

Há autores[11] que defendem a necessidade de introdução de um mecanismo que permita a revisão judicial de atos potencialmente lesivos do ambiente, ou em alternativa, proceder a um alargamento da expressão «interesse direto e individual», de forma a abranger tanto interesses de natureza individual, como comunitária.

Com o Tratado de Lisboa, foi alargada a protecção dos recorrentes comuns, pois fez cair como condição de legitimidade processual o «digam individuamente respeito» quanto aos autores que peticionam a anulação de atos de natureza regulamentar que não necessitam de medidas de execução.
Ainda é incerto o conteúdo desta expressão e terá o TJUE que interpretar o seu rigoroso sentido, mas parece poder retirar-se que os regulamentos que sejam auto-suficientes passaram a poder ser atacados provando apenas a afectação direta.

Para Tiago Antunes e Carla Amado Gomes[12], «esta cedência sabe a pouco e soa a experimental, por deixar de fora os atos legislativos e como que preparando a grande abertura relativa a todos os atos regulamentares».

- Reenvio prejudicial


O reenvio prejudicial é um processo que permite a uma jurisdição nacional interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade do direito europeu, previsto no 267º TFUE.
Não é um recurso formado contra um acto europeu ou nacional, mas sim uma pergunta relativa à aplicação do direito europeu, o que favorece a cooperação activa entre as jurisdições nacionais e o Tribunal de Justiça e a aplicação uniforme do direito europeu em toda a UE.
Permite, como tal, a um particular, na pendência de qualquer litígio que envolva a aplicação de actos comunitários como suporte de medidas nacionais, invocar a invalidade dos atos a fim de atacar a validade das medidas.

O reenvio prejudicial constitui, assim, um reenvio «de juiz para juiz», pois embora possa ser solicitado por uma das partes no pleito, é a jurisdição nacional que toma a decisão de instar o Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça pronuncia-se, então, apenas sobre os elementos constitutivos do processo de reenvio prejudicial sobre os quais é instado, cabendo à jurisdição nacional o julgamento da questão principal.
A decisão do Tribunal de Justiça tem valor de caso julgado. É, além disso, vinculativa não só para a jurisdição nacional que tenha estado na origem do processo de reenvio prejudicial, mas, ainda, para todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.

Este mecanismo é uma concretização do princípio da boa administração da justiça e é também um instrumento privilegiado de garantia da uniformidade na aplicação do direito na UE, conseguindo assim cumprir uma maior conciliação entre as diversas legislações.
Caracteriza-se por ser um processo moroso porque envolve órgão de duas jurisdições diferentes, implicar a exaustão das vias internas de recursos e na ausência de acto jurídico interno de execução da norma comunitária cuja validade se pretende ver apreciada, restar ao particular suportar o início da lesão para propor uma acção declarativa de condenação da Comunidade na reposição do estado anterior ou no pagamento de uma indemnização por responsabilidade extra-contratual.
No entanto, não há qualquer interferência no plano da legitimidade processual activa já que não se impõe o requisito do artigo artigo 263.º/4TFUE, pois os pressupostos de legitimidade decorrem exclusivamente do disposto no ordenamento nacional.




Apesar dos avanços verificados com a introdução do direito de petição colectiva no Tratado de Lisboa, é ainda notável que a UE tem um longo caminho a percorrer no que toca a mecanismos que se adeqúem especificamente às necessidades ambientais.
 È necessário proceder a um enquadramento legislativo mais exigente e abrangente do ponto de vista ambiental, que esteja aberto a processos de decisão tomados com participação pública, que extravasem a protecção apenas quando há afectação «direta e individual», pois é necessário um olhar mais alargado sobre a tutela dos bens ambientais.
Deverão ser criadas plataformas organizativas que permitirão responder aos novos desafios ambientais, tais como comissões de acompanhamento ou instrumentos de ordenamento.
Papel central tem também a noção de cidadania ambiental, devendo as novas gerações europeias ter uma forte consciência ambiental na sua educação, de forma a poder tomar parte ativa e ajudar na construção e aperfeiçoamento dos mecanismos de acção ao seu dispôr.



Carolina Xavier, 20856

Bibliografia:

-ANTUNES, Tiago e GOMES, Carla Amado, «O Ambiente no Tratado de Lisboa. Uma relação sustentada», in Textos dispersos de Direito do Ambiente, III, AAFDL, Lisboa, 2010

- BATISTA, Luís Carlos, «O Direito Subjectivo ao Ambiente: um Artifício Legislativo e Jurisdicional», Revista de direito do ambiente e ordenamento do território, n.º 16 e 17, Almedina

-GOMES, Carla Amado, «A impugnação jurisdicional de actos comunitários lesivos do
ambiente, nos termos do artigo 230.º do Tratado de Roma: uma acção nada popular», in Textos dispersos de Direito do Ambiente, I, AAFDL, Lisboa, 2008

- GOMES, Carla Amado, «Participação Pública e defesa do Ambiente: um silêncio crescentemente ensurdecedor. Monólogo com jurisprudência de fundo», Textos Dispersos de Direito do Ambiente, III, AAFDL, Lisboa, 2010,

 - GOMES CANOTILHO, José Joaquim , «O Direito ao ambiente como direito subjectivo», in Estudos sobre direitos fundamentais

- MACHADO, Jónatas , «Direito da União Europeia», Coimbra, Coimbra editora, 2010.

- SILVA, Vasco Pereira, Verde. «Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente», Almedina, Lisboa, 2002.

- MIRANDA, Jorge , «A Constituição e o Direito do Ambiente», in Direito do Ambiente, Almedina,1994,

- MONIZ, Graça, «Vias jurisdicionais para a protecção do ambiente na Europa», in Debater a Europa, Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE., Suplemento N.9 julho/dezembro 2013 – Semestral


[1] SILVA,Vasco Pereira , Verde. Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente, Almedina,
Lisboa, 2002, pag. 232.
[2] GOMES, Carla Amado, «A Impugnação Jurisdicional de actos comunitários lesivos do ambiente …», ,pág. 303.

[6] GOMES, Carla Amado, «Participação Pública e defesa do Ambiente: um silêncio crescentemente ensurdecedor. Monólogo com jurisprudência de fundo», Textos Dispersos de Direito do Ambiente, III, AAFDL, Lisboa, 2010, pág. 239´ss

[7] GOMES, Carla Amado , «A Impugnação Jurisdicional de actos comunitários lesivos do ambiente …»,pág. 307.

[8]  MACHADO, Jónatas, Direito da União Europeia, …cit., pág. 525.
[9] Cabe aqui expor sinteticamente as diferentes posições face ao conteúdo do direito do ambiente, pois Vasco Pereira da Silva define como direito subjectivo (numa aproximação à tese dos direitos subjetivos públicos, o ambiente é um bem social comunitário mas dotado de uma dimensão ou vertente personalista), Jorge Miranda e Gomes Canotilho recorrem à noção de interesse difuso e, Carala Amado Gomes explica a incerteza prestacional através da indivisibilidade das utilidades dos bens naturais e a impossibilidade de determinação do quantum jurídico que integra o substrato vivencial.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde. Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, 2002, pág. 84 e ss.
MIRANDA, Jorge, A Constituição e o Direito do Ambiente, Direito do Ambiente, INA, 1994, pág. 353 e ss. e 362.
CANOTILHO, Gomes «O Direito ao ambiente como direito subjectivo», Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra, 2004, pág. 177 e ss., e 187 e ss..
GOMES, Carla Amado, «O Direito ao Ambiente no Brasil: um olhar português», Textos Dispersos de Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2005, pág. 273 e ss..
[10] BATISTA, Luís Carlos, «O Direito Subjectivo ao Ambiente: um Artifício Legislativo e Jurisdicional», Revista de direito do ambiente e ordenamento do território, n.º 16 e 17, Almedina, 2010, pág. 153
[11] MONIZ, Graça, «Vias jurisdicionais para a protecção do ambiente na Europa», pág. 141
[12] ANTUNES, Tiago e GOMES, Carla Amado, «O ambiente e o tratado de Lisboa: uma relação sustentada», pag. 231.

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