O ambiente é uma preocupação de dimensão global, onde cada vez mais se exige por parte dos governos nacionais e das organizações internacionais uma resposta ativa e eficaz.
A União
Europeia tem vindo a assumir um papel central quanto ás questões ambientais,
procurando ser pioneira na procura de novas medidas de atuação e indo mais além
do que fica estabelecido em convenções internacionais, o que só pode ser
alcançado numa Comunidade de Direito.
È necessário
fazer intervir o Direito na área ambiental, de forma a garantir medidas que
garantam a sua correta protecção, atuando não só num plano posterior, mas
também investir numa correta política de informação e prevenção.
Cabe ao Direito
contencioso do ambiente tomar posição e garantir que o princípio da tutela
jurisdicional efectiva está em perfeita harmonia com a protecção da realidade
ambiental.
No Tratado de Roma houve um acolhimento
material e substantivo da protecção do ambiente, no entanto, o mesmo não
ocorreu ao nível do contencioso, situação que criou uma lacuna gravosa que
perdurou no Direito europeu, e que, tal como refere Vasco Pereira da Silva
obriga o aplicador do direito a «esforços de esverdeamento dos meios processuais genéricos»[1].
Vias não jurisdicionais
-Provedor de Justiça Europeu
No âmbito da protecção ambiental, o
Provedor de Justiça Europeu, que consta do artigo 228º TUE, é encarado como uma
instituição de denúncia pública.
È nomeado pelo Parlamento europeu, mas
é dele completamente independente, devendo elaborar relatórios anuais através
dos quais dá a conhecer os casos apreciados.
A apresentação de queixas por
irregularidades praticadas em procedimentos concursais, a recusa de prestação
de informações e a ilegalidade de decisões da Comissão são as questões que mais
frequentemente são levadas ao conhecimento do Provedor.
A competência do Provedor de Justiça
Europeu centra-se no preenchimento do conceito de «má administração».
A denúncia encontra-se limitada a
mecanismos de inquérito, «reporting» e recomendação de atuação administrativa
dos órgãos da União.
Ao se limitar a estes três mecanismos, as hipóteses de
controlo de ilegalidade das decisões dirigidas a particulares e empresas são
reduzidas, eximindo directivas e regulamentos os quais podem, directa ou
indirectamente, implicar lesões ambientais.[2]
Como forma de dirimir esta limitação, o
queixoso não tem que provar um interesse individual e directo na apresentação
da queixa pelo que, queixas promovidas através da acção
popular, relativas a
assuntos mais abrangentes, constituem, por conseguinte, parte do trabalho do
Provedor, não tendo o sujeito que fundamentar a queixa num qualquer direito
subjectivo.
È de
salientar que após o recebimento da queixa, o Provedor investiga e emite um
diagnóstico.
Este diagnóstico, apesar de não ter carácter vinculativo, exerce
uma importante função de censura pública, que influencia a opinião pública e
surte um efeito inibitório que permite consciencializar e sedimentar uma lógica
ambiental de dimensões europeias.
-Direito
de Petição ao parlamento Europeu
O Tratado de
Lisboa introduziu uma inovação importante neste domínio, pois através do
direito de petição colectiva permite-se uma pré-iniciativa popular europeia que
permite a pelo menos um milhão de cidadãos, oriundos de um número
«significativo» de Estados Membros, apresentar uma petição à Comissão, que elabora
uma iniciativa legislativa a propôr ao Parlamento e ao Conselho a adoção de um
determinado ato jurídico.
Está subjacente a este mecanismo um
apelo à ecocidadania, conceito que ganhou maior expressão com a Convenção de
Aarhus.
Esta Convenção entrou em vigor a 30 de
Outubro de 2001 e expressa o conceito fundamental que a melhoria da
participação e sensibilização dos cidadãos para os problemas ambientais conduz
a uma melhoria da protecção do ambiente.
Para concretizar, a Convenção propôs
uma intervenção em três domínios, nomeadamente:
-Garantia do acesso do público à informação
sobre ambiente de que dispõem as autoridades públicas.
-Promoção da participação do público
na tomada de decisões com efeitos sobre o ambiente.
-Alargarmento das condições de acesso
à justiça em matéria de ambiente.
Ao fomentar o conceito de ecocidadania,
esta Convenção permitiu tomar as medidas legislativas, regulamentares ou outras
necessárias de forma a sedimentar este conceito, permitir que os funcionários e
as autoridades públicas auxiliem e aconselhem os cidadãos, para que estes
tenham acesso à informação, participem no processo de tomada de decisões e
tenham acesso à justiça.
Favoreceu também a educação ecológica
do público e sensibilizá-lo para as questões ambientais, e reconheceu e apoiou
as associações, grupos e organizações que têm como objectivo a protecção do
ambiente.
Em termos práticos, a Convenção de
Aarhus, foi transposta para o direito comunitário através da Directiva
2003/4/CE[3]
(acesso do público à informação), Directiva 2003/35/CE [4](participação
do público nos procedimentos ambientais).
Atualmente, o artigo 11.º, n.º 4, do
TUE estabelece o quadro base, enquanto o artigo 24.º/ 1 estabelece os
princípios gerais para um regulamento que defina os procedimentos concretos e
as condições específicas.
A proposta de regulamento foi o resultado
de uma consulta alargada realizada no âmbito do Livro Verde da Comissão
Europeia (COM(2009)0622.
A iniciativa de cidadania europeia (ou pré iniciativa legislativa popular europeia) entrou
em vigor através do Regulamento (UE) n.º 211/2011, em 1 de Abril de 2011[5].
Cabe ressalvar que no direito de
petição simples, as petições podem ser apresentadas por cidadãos da UE, bem
como por pessoas singulares ou coletivas residentes na UE , e têm que abordar
matérias que se insiram no âmbito de atividades da UE e que afetem diretamente
o peticionário. São dirigidas ao Parlamento na qualidade de representante
direto dos cidadãos a nível da EU.
A iniciativa de cidadania europeia,
substancialmente tem que cumprir regras específicas e é primeiramente dirigida
à Comissão.
Antes da sua entrada em vigor, a 1 de
Abril de 2012 várias organizações tentaram lançar iniciativas semelhantes à ICE,
como foi o caso do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência, ou da Greenpeace.
Atualmente, encontram-se registadas
nove iniciativas, em fase de recolha.
Tal como refere Carla Amado Gomes, o
direito à participação «traduz uma espécie de direito inerente à vivência
comunitária» e «o direito à participação em procedimentais ambientais constitui
uma pretensão de activação de cidadania, um motor de integração social e um
penhor da paz comunitária[6]».
________________________________ Vias
jurisdicionais
São duas as formas mais adequadas de
contestação da validade de um ato comunitário atentatório da integridade de
bens ambientais, nomeadamente o recurso de anulação e o reenvio prejudicial.
-
Recurso de anulação
O recurso
de anulação faz parte dos recursos que podem ser interpostos perante o Tribunal
de Justiça da União Europeia
e é a principal via de controlo da legalidade, estando regulado no 263º TFUE.
Este recurso é um « (…)
misto de acção de fiscalização (sucessiva abstracta) da constitucionalidade e
de acção administrativa (especial)[7]
».
O recurso
de anulação pode ser interposto pelas instituições europeias ou por
particulares em condições específicas.
Há um
controlo exclusivo por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)de
todos os atos emanados da UE, desde que produtores de efeitos
jurídicos em relação a terceiros, independentemente da sua designação, forma ou
natureza.
Visa controlar a legalidade do ato,
mas sem que o tribunal interfira no conteúdo do mesmo.
È ao nível do pressuposto da
legitimidade ativa que surge um problema que permite afirmar que a utilidade
deste recurso em sede ambiental não é manifesta, pois o 263º/4 TFUE impõe que
os recorrentes tenham sido «direta e individualmente» afectados pelo ato
contestado, o que limita o acesso dos particulares ao recurso de anulação a
esta «necessidade qualificada de tutela»[8].
Surge então a questão de saber como
pode ser requerida a anulação de um ato que provoca danos num bem de fruição colectiva,
onde os efeitos lesivos de difundem por todos aqueles que usufruem das suas
qualidades imateriais, não afectando como tal, ninguém «direta e
individualmente»[9]?
Para os autores que defendem que o
conteúdo do direito do ambiente é de direito subjectivo, não haveria problema
de maior, pois defendem a apropriação individual do ambiente, no entanto esta
tese recebe críticas no sentido que «só por artifício poderemos reconhecer
legitimidade directa ao lesado/ofendido», além de que “«(…) a
identificação de um titular do bem seria, neste caso, uma mera fantasia[10]».
Há autores[11]
que defendem a necessidade de introdução de um mecanismo que permita a revisão
judicial de atos potencialmente lesivos do ambiente, ou em alternativa,
proceder a um alargamento da expressão «interesse direto e individual», de
forma a abranger tanto interesses de natureza individual, como comunitária.
Com o Tratado de Lisboa, foi alargada a
protecção dos recorrentes comuns, pois fez cair como condição de legitimidade
processual o «digam individuamente respeito» quanto aos autores que peticionam
a anulação de atos de natureza regulamentar que não necessitam de medidas de
execução.
Ainda é incerto o conteúdo desta
expressão e terá o TJUE que interpretar o seu rigoroso sentido, mas parece
poder retirar-se que os regulamentos que sejam auto-suficientes passaram a
poder ser atacados provando apenas a afectação direta.
Para Tiago Antunes e Carla Amado Gomes[12],
«esta cedência sabe a pouco e soa a experimental, por deixar de fora os atos
legislativos e como que preparando a grande abertura relativa a todos os atos
regulamentares».
- Reenvio prejudicial
O reenvio prejudicial é um processo que permite a uma jurisdição
nacional interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade do direito
europeu, previsto no 267º TFUE.
Não é um recurso formado contra um acto europeu ou nacional, mas sim
uma pergunta relativa à aplicação do direito europeu, o que favorece a cooperação
activa entre as jurisdições nacionais e o Tribunal de Justiça e a aplicação
uniforme do direito europeu em toda a UE.
Permite, como tal, a um
particular, na pendência de qualquer litígio que envolva a aplicação de actos
comunitários como suporte de medidas nacionais, invocar a invalidade dos atos a
fim de atacar a validade das medidas.
O reenvio prejudicial constitui, assim, um reenvio «de juiz para
juiz», pois embora possa ser solicitado por uma das partes no pleito, é a
jurisdição nacional que toma a decisão de instar o Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça pronuncia-se, então, apenas sobre os elementos
constitutivos do processo de reenvio prejudicial sobre os quais é instado,
cabendo à jurisdição nacional o julgamento da questão principal.
A decisão do Tribunal de Justiça tem valor de caso julgado. É, além
disso, vinculativa não só para a jurisdição nacional que tenha estado na origem
do processo de reenvio prejudicial, mas, ainda, para todas as jurisdições
nacionais dos Estados-Membros.
Este mecanismo é uma concretização do princípio da boa administração
da justiça e é também um instrumento privilegiado de garantia da uniformidade
na aplicação do direito na UE, conseguindo assim cumprir uma maior conciliação
entre as diversas legislações.
Caracteriza-se por ser um processo
moroso porque envolve órgão de duas jurisdições diferentes, implicar a exaustão
das vias internas de recursos e na ausência de acto jurídico interno de execução da norma comunitária cuja validade se
pretende ver apreciada, restar ao particular suportar o início da lesão para propor uma acção declarativa de
condenação da Comunidade na reposição do estado anterior ou no pagamento de uma indemnização por
responsabilidade extra-contratual.
No
entanto, não há qualquer interferência
no plano da legitimidade processual activa já que não se impõe o requisito do
artigo artigo 263.º/4TFUE, pois os pressupostos de legitimidade decorrem exclusivamente
do disposto no
ordenamento nacional.
Apesar dos avanços verificados
com a introdução do direito de petição colectiva no Tratado de Lisboa, é ainda
notável que a UE tem um longo caminho a percorrer no que toca a mecanismos que
se adeqúem especificamente às necessidades ambientais.
È necessário proceder a um enquadramento
legislativo mais exigente e abrangente do ponto de vista ambiental, que esteja
aberto a processos de decisão tomados com participação pública, que extravasem
a protecção apenas quando há afectação «direta e individual», pois é necessário
um olhar mais alargado sobre a tutela dos bens ambientais.
Deverão ser criadas plataformas
organizativas que permitirão responder aos novos desafios ambientais, tais como
comissões de acompanhamento ou instrumentos de ordenamento.
Papel central tem também a noção
de cidadania ambiental, devendo as novas gerações europeias ter uma forte
consciência ambiental na sua educação, de forma a poder tomar parte ativa e
ajudar na construção e aperfeiçoamento dos mecanismos de acção ao seu dispôr.
Carolina Xavier, 20856
Bibliografia:
-ANTUNES, Tiago e GOMES, Carla Amado, «O Ambiente no Tratado de Lisboa. Uma relação sustentada», in Textos dispersos de Direito do Ambiente, III, AAFDL, Lisboa, 2010
- BATISTA, Luís Carlos, «O Direito Subjectivo ao Ambiente: um Artifício Legislativo e Jurisdicional», Revista de direito do ambiente e ordenamento do território, n.º 16 e 17, Almedina
-GOMES, Carla Amado, «A impugnação jurisdicional de actos
comunitários lesivos do
ambiente, nos termos do artigo 230.º do Tratado de Roma: uma acção
nada popular», in
Textos dispersos de Direito do Ambiente, I, AAFDL, Lisboa, 2008
- GOMES, Carla Amado, «Participação Pública e defesa do Ambiente:
um silêncio crescentemente ensurdecedor. Monólogo com jurisprudência de fundo»,
Textos Dispersos de
Direito do Ambiente,
III, AAFDL, Lisboa, 2010,
- MACHADO, Jónatas , «Direito da União Europeia», Coimbra, Coimbra editora, 2010.
- SILVA, Vasco Pereira, Verde. «Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente», Almedina, Lisboa, 2002.
- MIRANDA, Jorge , «A Constituição e o Direito do Ambiente», in Direito do Ambiente, Almedina,1994,
- MONIZ, Graça, «Vias jurisdicionais para a protecção do
ambiente na Europa», in Debater a Europa, Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE., Suplemento N.9 julho/dezembro 2013 – Semestral
Lisboa, 2002, pag. 232.
[2]
GOMES,
Carla Amado, «A Impugnação Jurisdicional de actos comunitários lesivos do
ambiente …», ,pág. 303.
[6]
GOMES,
Carla Amado, «Participação Pública e defesa do Ambiente: um silêncio
crescentemente ensurdecedor. Monólogo com jurisprudência de fundo», Textos
Dispersos de Direito do Ambiente, III, AAFDL, Lisboa,
2010, pág. 239´ss
[7]
GOMES, Carla Amado , «A
Impugnação Jurisdicional de actos comunitários lesivos do ambiente …»,pág. 307.
[9]
Cabe aqui expor sinteticamente as diferentes posições face ao conteúdo do
direito do ambiente, pois Vasco Pereira da Silva define como direito subjectivo
(numa aproximação à tese dos direitos subjetivos públicos,
o ambiente é um bem social comunitário mas dotado de uma dimensão
ou vertente personalista), Jorge Miranda e Gomes Canotilho recorrem
à noção de interesse difuso e, Carala Amado Gomes explica a incerteza
prestacional através da indivisibilidade das utilidades dos bens naturais e a
impossibilidade de determinação do quantum jurídico que integra o substrato
vivencial.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde. Cor de
Direito. Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, 2002, pág.
84 e ss.
MIRANDA, Jorge,
A Constituição e o Direito do Ambiente, Direito do Ambiente,
INA, 1994, pág. 353 e ss. e 362.
CANOTILHO,
Gomes «O Direito ao ambiente como direito subjectivo», Estudos
sobre direitos fundamentais, Coimbra, 2004, pág. 177 e ss.,
e 187 e ss..
GOMES,
Carla Amado, «O Direito ao Ambiente no Brasil: um olhar português», Textos
Dispersos de Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa,
2005, pág. 273 e ss..
[10]
BATISTA,
Luís Carlos, «O Direito Subjectivo ao Ambiente: um Artifício Legislativo e
Jurisdicional», Revista de direito do ambiente e ordenamento
do território, n.º 16 e 17, Almedina, 2010, pág. 153
[12]
ANTUNES, Tiago e GOMES, Carla Amado, «O ambiente e o tratado de Lisboa: uma
relação sustentada», pag. 231.
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