1- Introdução:
O princípio da precaução visa a
proteção do ambiente, impedindo a intervenção do Homem em situações em que não
há certezas da parte da ciência quanto à produção de danos ambientais e quanto
ao nexo de causalidade entre a intervenção e os próprios danos.
Este princípio tem a sua origem
em 1987, com o Protocolo de Montreal à Convenção de Viena para a proteção da
camada de Ozono e com a declaração de Londres. Depois destas situações é de
realçar a presença deste princípio na Declaração do Rio de 1992.
A precaução está intimamente
ligada ao conceito de “Sociedade de risco”. Numa sociedade onde a incerteza é
constante e o risco nunca é zero,até onde é tolerável o grau de incerteza quanto
à motivação das ações que visam a proteção ambiental?
Este “post” tem como objetivo a
análise do conteúdo e da aplicabilidade deste princípio, com vista a uma
opinião fundamentada quanto à sua utilidade e autonomia.
2- Antes de mais, cabe fazer a
distinção da prevenção (artigo 66º, nº2, a) CRP):
Este princípio pode ser
autonomizado, segundo alguma doutrina[1],
do princípio da prevenção. O princípio da prevenção atua quando haja um
consenso da comunidade quanto à ocorrência de um dano. O princípio da precaução
atua no domínio da incerteza científica, atuando cronologicamente antes e em
mais domínios que o da prevenção.
A Professora Alexandra Aragão
refere, neste âmbito, que o princípio da precaução é proativo e o da prevenção
reativo[2].
Ainda segundo a mesma Professora,
com a adoção deste princípio a nível europeu e perante uma crescente
consciencialização do mesmo em Portugal, pode-se falar numa mudança de
paradigma no que toca à evolução da simples prevenção para a precaução.
A doutrina diverge muito quanto à
utilidade e aos benefícios deste princípio, pelo que cabe assim analisar o
seguinte ponto:
3- Este é um princípio perigoso
ou existem mitos acerca do mesmo?
Em primeiro lugar, antes desta
análise, cabe apenas frisar que este é um princípio rodeado de alguma incerteza
e instabilidade a nível dogmático, na medida em que pode ser analisado de
acordo com variados pontos de vista.
Cabe a cada Estado, a cada comunidade,formular
as suas próprias diretivas, no que concerne à relação entre a certeza dada pela
ciência e a proteção do ambiente.
Este princípio, sobretudo quando
concebido na sua aceção mais ampla, ou mais radical se se quiser, acarreta
alguns “perigos”, que devem ser suavizados.
A Professora Carla Amado Gomes
elenca até algumas das áreas onde o princípio da precaução pode provocar problemas,
se levado em conta de uma forma demasiado ampla: sociológicos (por vezes é dada
prevalência, à luz deste princípio, ao ambiente, sacrificando assim as ideias
da comunidade); políticos (os Estados, em nome do ambiente, veem reduzidos os
seus poderes de soberania quanto à decisão ambiental); económicos (este princípio
pode levar a uma estagnação do crescimento económico de um país, paralisando
setores de produção); jurídicos (os juristas têm de lidar, neste âmbito, com
opiniões estritamente científicas e há ainda toda a problemática da prova) ;
tecnológicos (este princípio pode levar à paralisação da tecnologia);
científicos (este princípio evidencia ao máximo as incertezas científicas e as
incapacidades da ciência para a oferecer certas explicações e certos esclarecimentos);
e, por fim, ecológicos (por vezes, o uso deste princípio pode distorcer certos
factos, na medida em que uma intervenção ambiental danosa num certo local, pode
trazer as melhores consequências num outro) [3].
Todos estes “perigos” levam, na
doutrina desta Professora, ao entendimento de que “a precaução não é mais do
que o aprofundamento do princípio da prevenção, modulado pelo princípio da
proporcionalidade em função da ponderação entre aquilo que se protege e a forma
como se protege”[4]
No entanto, a doutrina não é
unânime neste aspeto. A Professora Alexandra Aragão refuta alguns destes
perigos atribuídos ao princípio da prevenção.
Este princípio, no que toca à sua
relação com a ciência, ajuda o decisor no que toca a superar “lacunas” da
ciência. Não só impõe uma avaliação do risco antes da decisão por alguma
medida, como também, impõe que, após a tomada de decisão, a ciência ajude na fundamentação
da vigência ou não vigência da decisão. Ou seja, a ciência, em especial, os
estudos e dados científicos, andam de braço dado com as medidas tomadas à luz
da lógica da precaução e constituem a base para a verificação e manutenção das
decisões ambientais.
Quanto ao suposto impedimento do
progresso provocado por este princípio, este é também um argumento falacioso.
Isto, na medida em que a precaução apenas afasta um desenvolvimento com base em
tendências economicistas que não olham às consequências. Esta visa bastantes
decisões de conteúdo positivo, em que há um incentivo ao desenvolvimento, não
visa apenas a fundamentação de comandos negativos, de abstenção. No fundo, este
princípio impõe a seguinte meta: “na dúvida, põe em prática tudo o que te
permita agir melhor”[5].
Esta Professora refuta ainda que
o princípio da precaução promova a irracionalidade e o medo, sendo que são os
critérios que apelam a pensamentos do tipo custo-benefício (critérios
economicistas) que originam conclusões erróneas quanto ao ambiente.
Por fim, este princípio não visa
a ideia do risco zero. Esse é um objetivo ingénuo e descontextualizado, e não é
o objetivo da análise precaucionista. A ideia é promover um desenvolvimento que
seja sério, proporcional e que vise a sustentabilidade. Hoje em dia, vivendo
numa sociedade de risco não existe risco zero. O importante é justificar o
porquê do desenvolvimento de certas atividades que comportam algum risco.
Tomando posição:
Mesmo a doutrina mais cética
quanto a este princípio, como é o caso da Professora Carla Amado Gomes,
reconhece que este impõe certos objetivos ou deveres, se assim se quiser, que
permitem que sejam minorados os tais efeitos negativos anteriormente referidos.
Existem deveres de promoção da investigação
científica, de produção e divulgação de informação ambiental com vista à
participação pública no procedimento de decisão ambiental; de criação de normas
que promovam a proteção ao ambiente, de apoio à implementação de medidas
cautelares com vista a evitar certos danos, entre outros.
Na minha opinião, uma vez que até
uma doutrina mais cética reconhece que o princípio da Precaução é benéfico
(desde que prosseguido por certos caminhos) não há razão para recear a livre
utilização este princípio. Este deve é ser adotado de forma autónoma e o mais
racional possível. Se levado a cabo de um modo sério e informado, este é um
princípio altamente vantajoso quanto à defesa dos valores ambientais e que não
é alheio aos meios que utiliza para atingir os seu fins.
4-A aplicação do princípio da
precaução
É necessária uma aplicação
racional e ponderada deste princípio, com vista a justificar e a enaltecer a
sua autonomia e os seus contributos para o ambiente.
Quanto a esta matéria irei seguir
o pensamento da Professora Alexandra Aragão.
Este princípio tem aplicação,
para além das situações de política ambiental, em situações em que podem estar
em causa bens jurídicos a proteger em matéria de ambiente, de segurança
pública, de saúde pública, de segurança dos consumidores e de direitos
fundamentais.
4.1-Pressupostos de aplicabilidade:
Cabe referir, a este propósito,
alguns requisitos que devem ser preenchidos para uma correta aplicação deste princípio.
Fala-se neste âmbito, em dois pressupostos: -É necessário existirem riscos
graves; - É necessário que não existam certezas (na medida de incertezas
significativas) no que toca aos riscos.
Quanto ao primeiro:
A gravidade dos riscos pode ser
analisada por um prisma objetivo, através de critérios dados pela doutrina e,
também, pela lei, por exemplo, nos termos do direito comunitário, a Diretiva
85/337 de 27 Julho estabalece critérios quanto ao Regime da AIA.
Neste âmbito, é importante dizer
que, em Portugal, a irreversibilidade dos danos não é um pressuposto para a
aplicação deste princípio, sendo apenas um dos critérios que ajudam a aferir a gravidade
do risco.
Deve-se também olhar para esta
questão através de critérios subjetivos. É nesta medida que se deve observar os
riscos que são cientificamente e socialmente excessivos. É importante frisar
que estas duas vertentes se complementam, ou seja perante uma menor certeza
científica quanto ao facto de o risco ser elevado, deve haver uma maior observância
do pensamento social quanto ao mesmo.
Depois de se estabelecer que um
determinado risco é grave, através de critérios objetivos e subjetivos, é
importante aferir da incerteza do mesmo. É necessário, para aplicar o princípio
da precaução que um risco seja, não apenas grave, mas altamente incerto.
Antes de mais, a incerteza tem de
ter um determinado conteúdo. Podemos estar perante uma incerteza quanto à
proveniência dos danos, perante uma situação em que a incógnita existe quanto à
natureza ou gravidade dos danos, ou ainda, perante uma situação de incerteza
quanto à própria verificação dos danos. Quanto a esta última situação, para se
ponderar a aplicação do princípio da precaução, é importante que existam, pelo
menos, “motivos razoáveis”[6]
para suspeitar da produção de danos.
Esta incerteza pode advir de
variadas fontes: Pode-se falar de uma incerteza ontológica, quando esta é
originária da natureza dos sistemas ambientais, de uma incerteza
epistemológica, quando são os dados ambientais que são insuficientes,
demasiados ou contraditórios, e de uma incerteza hermenêutica, que decorre da
anterior, isto é, a incerteza dos dados reflete-se em perceções diferentes dos
acontecimentos.
Estes pressupostos permitem a
aplicação do princípio da precaução como um princípio autónomo mas marcado pela
razoabilidade e pelo bom senso.
4.2-As medidas a tomar
Perante o preenchimento dos
pressupostos anteriormente referidos que decisões, medidas tomar?
Em primeiro lugar cabe frisar
que, ao contrário das medidas tomadas com base no princípio da prevenção, estas
não são medidas que se esgotam em si mesmas, procurando certos objetivos
mediatos.
A tomada de decisão quanto às
medidas em causa depende do risco em causa e do dano que se adivinha.
O mais importante neste âmbito é
que as medidas possuam carácter de provisoriedade e sejam proporcionais ao
risco.
Podem ser “medidas de conteúdo
positivo ou negativo, mais ou menos gravosas, mais ou menos urgentes, mais ou
menos reactivas, mais vocacionadas para o controlo do risco objetivo ou do
risco subjetivo”[7]
5- Conclusão:
A precaução é autónoma da
prevenção e desempenha um importante e equilibrado papel na defesa do meio
ambiente.
Se utilizado quando necessário e
de forma correta, este é um princípio que não é isolador da decisão de proteção
ambiental em relação ao que é alheio à mesma.
Fazendo um juízo correto de
aplicação do princípio, através de pressupostos de aplicabilidade e de
ponderação de medidas, este é altamente benéfico, tanto para o meio ambiente em
si mesmo, como para as relações que se estabelecem entre o ambiente e outras
áreas que lhe são próximas.
A precaução demonstra-se então eficaz
e necessária e deve ser incrementada.
Bibliografia:
Consultada:
ARAGÃO,
Alexandra
2008:
Princípio da Precaução, manual de instruções, in Revista CEDOUA, nº 2.
MIRANDA, Beatriz Conde
2009 :Princípio da precaução e do poluidor
pagador : uma análise econômica dos instrumentos protetivos
ambientais, Lisboa
SANTOS,
Cláudia, DIAS, Figueiredo, ARAGÃO, Alexandra
1998:
Introdução ao direito do ambiente, Lisboa: Univerdidade Aberta.
SILVA, Vasco
Pereira da
2002: Verde
Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Coimbra: Almedina
Citada:
ARAGÃO,
Alexandra
2013: Aplicação
Nacional do Princípio da Precaução in Colóquios 2011-2012 (Associação dos
Magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal Portuguesa)
GOMES, Carla
Amado
2005: Dar o
duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o “Princípio da Precaução””, in Textos
Dispersos do Direito do Ambiente, Lisboa: AAFDL.
[1] Em
sentido contrário, Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva defendem uma
conceção ampla do Princípio da prevenção que engloba o da precaução.
[2]
Alexandra Aragão, “Aplicação Nacional do Princípio da Precaução” in
Colóquios 2011-2012 (Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e
Fiscal Portuguesa), 2013, p. 5 in Nancy J. Meyers, Carolyn Raffensperger, Precautionary tools for reshaping
environmental policy, the MIT press, Cambridge, Massachusetts, 2006.
[3] Elenco
presente em Carla Amado Gomes, “Dar o
duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o “Princípio da Precaução””, in Textos
Dispersos do Direito do Ambiente, Lisboa AAFDL, 2005, pp 152 ss.
[4] Carla
Amado Gomes, Dar o duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o “Princípio da
Precaução”, p.157.
[5]
Alexandra Aragão, A aplicação Nacional do Princípio da Precaução, p. 25, in Traitement
Juridique du risque et principe de précaution, in: Actualité Juridique Droit
Administratif, nº08, 3 Mars, 2003, p.362.
[6]
Alexandra Aragão, Aplicação Nacional do Princípio da Precaução, p.11.
[7] AlexandraAragão,
Aplicação Nacional do Princípio da Precaução, p 13.
Ana do Carmo Santos Pinto, Nº 20629
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