quinta-feira, 3 de abril de 2014



A Natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental

Análise do Decreto-lei 147/2008 de 29 de Julho



     Os elementos componentes do meio ambiente como o ar, a água, a fauna, a flora, a temperatura atmosférica, inserem-se na categoria dos bens insusceptíveis de apropriação individual, que se encontram fora do comércio e que não podem ser objecto de direitos privados, nos termos do artigo 202º nº 2 do Código Civil ( doravante CC), sendo que a responsabilidade civil exige nos termos do artigo 483º do CC a violação de direitos , pelo que a tutela do ambiente nunca podia ser realizada através da responsabilidade civil.
Porém o meio ambiente é dotado de um carácter finito e limitado  que carece de protecção com vista a evitar que seja mal utilizado e consequentemente destruído. 
Tal protecção foi-lhe concedida primeiramente no artigo 66º da CRP  através do reconhecimento de um direito genérico ao ambiente , o que leva a que o ambiente passe a ser reconhecido como um bem jurídico e que as lesões a que fique sujeito passem a ser consideradas ilícitas levando à autonomização da responsabilidade ambiental que se justifica precisamente pelas seguintes especificidades desta relativamente à responsabilidade civil tradicional:
No direito ao ambiente a existência de um dano tanto pode ser provocada por factos ilícitos como corresponder a riscos de funcionamento de uma empresa ou ao exercício de uma actividade económica , assim como pode corresponder a actuações lícitas ou autorizadas; é distinguido o dano objectivo ou dano ambiental do dano subjectivo  também chamado dano ecológico que é produzido relativamente a toda a comunidade, assim como no âmbito do direito do ambiente é também comum a existência de uma pluralidade de causas o que leva a um concurso de causas, muitas vezes até causas externas como as condições meteorológicas.
Destes traços específicos do direito do ambiente, entre outros, urge a necessidade de se autonomizar a responsabilidade ambiental.
Porém tal necessidade foi ainda reforçada pela necessidade de compatibilizar a legislação nacional com o Direito Europeu em especial com a directiva 2004/35/CE , além de que mesmo no âmbito da legislação nacional o regime da responsabilidade ambiental era totalmente fragmentado numa multiplicidade de fontes , como a Constituição da República Portuguesa, a Lei de Bases do Ambiente, a Lei da acção popular, entre outras.
Para além disso, esta falta de unicidade traduziu-se ainda  na existência de uma dualidade de jurisdições, encontrando-se as questões de responsabilidade civil divididas pela jurisdição comum e a jurisdição administrativa. 
Surge portanto e como passo essencial no domínio ambiental o DL 147/2008 de 29 de Julho que estabelece um regime integrado de responsabilidade civil ambiental , que resolve a falta de unidade legislativa e acaba com a diferenciação entre responsabilidade civil pública e responsabilidade civil privada.
Importa antes de avançar na exposição da presente temática explicar em que consistem dois conceitos-chave neste âmbito, a saber: o conceito de dano ecológico em contraposição com o dano ambiental.
Uma parte minoritária da doutrina entende por dano ecológico uma agressão provocada aos bens naturais e às relações recíprocas entre eles e dano ecológico-ambiental uma alteração, provocada pelo Homem a estes mesmos bens.
 Outra minoria defende que por dano ecológico devemos entender os que são insusceptíveis de valor monetário, ou seja que não constituiriam lesões de valor patrimonial, antes sim violação de interesses de protecção da natureza. 
Contudo, para a maioria da doutrina, a distinção entre os dois tipos de danos deverá basear-se no facto de no dano ambiental se atribuírem os danos provocados a “bens jurídicos concretos através de emissões particulares ou através de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras”, e ao dano ecológico corresponderem lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural sem que tenham sido violados direitos individuais.
 A grande diferença está portanto, no facto de o bem ambiental ser susceptível de ser atribuída uma relação entre a fonte concreta da agressão e o bem que foi sujeito ao dano, o que não acontece com o dano ecológico por se  reconduzir à inexistência de um lesado individual, a ser um “dano produto do tempo, ou seja após intensa agressão e por não haver causador individualmente determinado”.
Feita esta distinção torna-se possível perceber em que se baseia a problemática que irei tratar, a saber: A natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental.
No que diz respeito a esta, temos em primeira linha a posição do  Professor Tiago Antunes que vai no sentido de que a directiva consagra um modelo de responsabilidade civil que se afasta do modelo clássico ou civilista , sendo que incide essencialmente na ideia de prevenção e não num sentido ressarcitório dos danos ambientais e  tem como "novidade" , consagrada no RJRDA a indemnização pelos danos individuais . 
Já a Professora Carla Amado Gomes considera que o RJRDA é apenas aplicável em sede de prevenção e reparação do dano ecológico e só deste, considerando que o capítulo II relativo à responsabilidade civil desequilibra o diploma , por entender que há uma duplicação de disposições do  Código Civil aplicáveis em sede de danos pessoais e patrimoniais , ou seja subalterniza ou exclui o ressarcimento por danos individuais , em benefício da restituição dos bens ambientais naturais ao seu estado inicial.
A professora entende que o artigo 10 º visa excluir casos de dupla reparação, ou seja "hipóteses de sobreposição de pedidos de compensação financeira por perda de qualidade de um bem natural que constitui fruto de utilidades económicas para o seu titular com pedidos reparação primária , complementar ou compensadora do seu estado ecológico apresentados anteriormente por autores populares, afastando deste modo a hipótese de estar em causa neste artigo uma dupla reparação por responsabilidade individual e responsabilidade administrativa.
Acompanhada desta interpretação, tece ainda uma crítica à autonomização do capítulo III , considerando que o melhor teria sido referenciar o capítulo III pela epígrafe " responsabilidade pela prevenção e reparação de danos ecológicos" , suprindo-se os artigos 12º e 13 º e criando uma secção I sobre a responsabilidade civil e uma secção III sobre a responsabilidade contra - ordenacional. 
Além disso,  acrescenta que a referência a responsabilidade administrativa leva a crer que é sobre as entidades administrativas que recaem todas as obrigações de prevenção e reparação , quando efectivamente é ao operador que cabe a responsabilidade primária. Neste sentido a intervenção pública ocorre em casos de urgência quando o operador incumprir as obrigações de prevenção e reparação que sobre ele recaem ou quando é impossível por recurso aos critérios de causalidade identificar o responsável a luz do artigo 17º deste regime.
  Em sustento da sua posição o professor Tiago Antunes salienta que o preâmbulo afirma a existência de uma responsabilidade objectiva e uma responsabilidade subjectiva nos termos da qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos , sendo que por outro lado fixa-se um regime de responsabilidade administrativa destinado a prevenir e reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade . 
Está deste modo em causa por um lado a reparação de danos ao indivíduo específico e por outro lado está em causa a reparação de danos causados ao meio- ambiente que apenas reflexamente acabam por afectar a comunidade como um todo. 
Em suma, o Professor considera que o sistema de responsabilidade ambiental assenta em dois eixos e que a uniformidade do regime é meramente formal , sendo eles: o que consta do capítulo II que regula a responsabilidade em moldes clássicos, e que leva o poluidor a responder perante as vítimas directas da sua acção poluente; e por outro o do capítulo III que define o conjunto de obrigações de prevenção e reparação de danos à natureza, cujo cumprimento deve ser assegurado pelo Estado.  
Em sentido contrário a ambos os professores, encontra-se o Professor Regente Vasco Pereira da Silva que considera que se deve adoptar uma noção ampla de dano ambiental abrangendo tanto os danos subjectivos como objectivos , considerando que tanto a prevenção como a reparação deve dizer respeito tanto ao dano subjectivo como ao dano objectivo, o que se encontra sustentado pelo artigo  11º/1, alínea e) que se refere aos danos ambientais no sentido mais amplo possível como" quaisquer danos com efeitos significativos adversos" .
Chegada a este ponto cabe tomar posição relativamente ao tema em análise e tendo a concordar com o Professor Tiago Antunes , na medida em que teremos de ter em atenção que o direito é feito para as pessoas, sendo que com todo o respeito que nutro pela excelentíssima Professora Carla Amado Gomes não concordo com o argumento segundo o qual  atribuir responsabilização por danos individuais através do RGRDA constitui uma repetição da tutela atribuída pelo Código Civil,  pois considero que tal não justifica a exclusão da responsabilidade a pessoas directamente afectadas por lesões ao meio ambiente, uma vez que o facto de haver uma protecção expressa no código, em nada impede que tal tutela seja também realizada através do RJRDA precisamente pelo facto de o direito ser pensado para o melhor relacionamento entre cidadãos , pelo que esta consagração expressa parece ter precisamente esse objectivo, colmatando qualquer dúvida que da sua não expressão pudesse advir.
Julgo ainda que a não consideração de tal regime neste sentido levaria a um esvaziamento da responsabilidade de determinadas condutas, uma vez que mesmo não havendo uma afectação directa na esfera individual de determinado cidadão, parece-me ainda que indirectamente e em consideração do indivíduo inserido num grupo acaba sempre por haver essa mesma afectação ainda que noutros moldes , tratando-se de casos de cumulação de regimes. Assim sendo concordo com o Professor Tiago Antunes no que diz respeito há possibilidade de os regimes aparecerem individualmente ou em conjunto , na medida em que os bens ambientais podem ser lesados sem que  daí decorram  directamente  danos ambientais.
Porém no que concerne ao ressarcimento dos danos no caso de haver sobreposição, é necessário  atender ao disposto no artigo  10º do RJRDA , sendo que em concordância com o entendimento do Professor, se as medidas de prevenção e reparação  puderem abranger quer o dano ecológico quer o dano individual , não se recorre ao disposto no capítulo II , caso contrário os danos individuais serão cobertos pela responsabilidade individual. 
Além disso resulta claramente dos preceitos do regime a intenção de tutelar estes indivíduos, sendo o capítulo II o que melhor o demonstra na medida em que estabelece uma relação obrigacional entre o autor do dano e a respectiva vítima ,  expondo um regime totalmente Civilista como refere o Professor Tiago Antunes.


Em suma, no DL 147/2008 foi consagrada a responsabilidade civil objectiva, mas também a responsabilidade civil subjectiva (conforme nos mostra o art.7º e 8º em matéria de responsabilidade civil e os art.13º e 14º em matéria de prevenção e reparação de danos ambientais) nos termos do qual, os operadores poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. 
A lei estabelece assim um “duplo regime” de responsabilidade ambiental, sendo que para haver responsabilidade é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a existência de um facto (o dano tem que ter sido resultado de uma acção ou omissão voluntária do lesante, e não de um fenómeno natural), ilicitude (o facto deve ser resultado da violação de um direito alheio ou de uma lei que protege interesses alheios), culpa (imputação do facto ao agente seja a título de dolo ou de negligência), dano (o facto tem que ter causado prejuízos) e nexo de causalidade (existência entre um nexo de causalidade entre o facto e o dano – só existe responsabilidade civil se se provar a existência de uma relação causa-efeito entre o facto e o dano).




Bibliografia:

-ANTUNES, TIAGO, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental, In: Temas de Direito do Ambiente, Coimbra, 2011;

-PEREIRA DA SILVA, VASCO, Ventos de Mudança no Direito do Ambiente, In: “O Que Há de novo no Direito do Ambiente? Actas das Jornadas de Direito do Ambiente” Lisboa : AAFDL, 2009;

-GOMES, CARLA AMADO, “O que há de novo no Direito do Ambiente? In :Actas das Jornadas de Direito do Ambiente”, FDL, Lisboa, 2009;

-GOMES, CARLA AMADO, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, In:Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009;

-VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito : lições de direito do ambiente, Almedina 2002;

- GOMES, CARLA AMADO, Introdução ao direito do ambiente, 2014 Lisboa:AAFDL.




Paula Andreia Duarte Pereira, número 21473.

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