Análise
comparativa do nexo de causalidade no Código Civil e no Decreto 147/2008.
1. O nexo de causalidade no Código Civil[1]:
O que se exige, no direito civil, relativamente ao nexo de causalidade é que: entre a violação ilícita e culposa de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção e o dano ocorrido, deve haver certa relação.
Essa certa relação pode ser determinada através de varias teorias.Tem merecido o apoio generalizado dos autores, a doutrina da causa adequada. Esta orientação parte da ideia de conditio sine qua non: o nexo de causalidade de determinado dano estabelece-se sempre em relação a um evento que, a não ter ocorrido, levaria à inexistência de dano. Isto é: se mesmo sem evento houvesse dano, haveria que procurar a sua causa em nível diferente.
O nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil: opera, como filtro negativo, segundo a teoria da conditio sine qua non: se o facto ilícito foi indiferente para a produção do dano, não há como imputá-lo ao agente. Pela positiva, haverá que formular um juízo humano de implicação: dadas as condições existentes, era compaginável, para a pessoa normal, colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado razoavelmente provável ou, simplesmente, possível, a produção do dano. A “pessoa normal” é uma pessoa social, integrada no meio onde o problema se ponha. Temos aqui a ideia de adequação.
Mas também não chega: a causalidade pode não ser “socialmente adequada” mas ter sido voluntariamente montada para se conseguir, ainda que por via anómala, o resultado. Temos então a causalidade provocada.
Progredindo, o elemento decisivo para fixar a causalidade será o escopo da norma violada. Em síntese, a causalidade, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, vai desenvolver-se em 4 tempos:
i. Teoria da conditio sine qua non;
ii. Teoria da causalidade adequada, em termos de normalidade social; ou
iii. Provocada pelo agente, para obter o seu fim;
iv. Consoante com os valores tutelados pela norma violada.
De acordo com as regras da responsabilidade civil, o lesado tem que provar, para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil: a criação ou aumento do risco pelo agente e a materialização no resultado lesivo. O que já não acontece na responsabilidade civil ambiental como iremos ver infra.
2. O nexo de causalidade à luz do Decreto-lei 147/2008:
A exigência do nexo de causalidade encontra-se prevista no art. 5º do Decreto-lei n.º 147/2008 (doravante Decreto). É importante, desde já, esclarecer que a determinação do nexo causal na responsabilidade civil ambiental é bastante mais difícil (quer se trate de responsabilidade subjectiva, objectiva, por danos ambientais ou ecológicos) do que na responsabilidade meramente civil: o dano ambiental, os seus agentes e quais as consequências podem ser, por vezes indetermináveis ou o fosso temporal entre a causa do dano e a verificação pode variar muito. A Professora Ana Perestrelo de Oliveira[2] escreve, apesar de excluir, a hipótese de uma possível dispensa do nexo de causalidade tal como, nos casos de responsabilidade objectiva acontece com a culpa, mas tal como referi isto não acontece porque poderia, em ultimo caso, implicar a transferência do dano para uma esfera jurídica distinta daquela em que se produziu o dano.
A regra presente no Decreto, mais concretamente no art. 5º, que é aplicável às varias modalidades de responsabilidade civil ambiental, determina que “ a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada (..)” .
As diferenças quanto ao regime do nexo de causalidade do Código Civil começam já aqui. Neste tipo de responsabilidade civil a imputação da causa ao dano faz-se, como foi explicado supra, através do recurso a varias teorias sendo que, todas elas, assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é impossível no domínio ambiental. Por isso, há quem seja da opinião que “ a imputação objectiva deve assentar antes, na ideia de conexão do risco: o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado/aumentado o risco da verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado no resultado.”[3]. Esta solução seria, à primeira vista boa, contudo, estamos já no tema da prova e não do nexo de causalidade. Mas, como será explicado adiante, estes temas vão andar “ de mãos dadas”.
O art. 5º determina expressamente que a apreciação de prova assenta num critério de probabilidade. Mas, na visão de Ana Perestrelo de Oliveira, esta regra não pode ser interpretada assim pois, perderia toda a sua utilidade porque, independentemente de essa probabilidade se encontrar expressamente prevista no artigo, ou não, seria sempre relevante para a formação da convicção do juiz sobre a verificação do nexo causal. O legislador, neste caso, pretendeu ir mais longe de maneira a aligeirar o próprio grau de prova do nexo causal, passando a ser apenas exigível a probabilidade, como até já acontecia noutros ordenamentos.
Este regime de prova, no nosso ordenamento[4], só encontrará paralelo, possivelmente, com o regime das providências cautelares. Não há dúvidas que, com o regime do código civil não encontra, com certeza, paralelo algum.
A conclusão que a Professora retira da solução dada ao problema da dificuldade de prova no âmbito ambiental é que “ tem, ao menos, a virtude de efectivamente facilitar a prova do nexo causal, permitindo que a responsabilidade civil permaneça como instrumento útil e operativo de tutela do Ambiente.” Pois, caso contrário se o nível de exigência, da prova do nexo causal, fosse idêntico ao da responsabilidade do código civil este instituo não teria qualquer utilidade até porque, a dificuldade de identificação do dano (ambiental) do seu agente, e quais as consequências são de difícil individualização.
Diferentemente do que sucede com a responsabilidade civil diga-se geral, e como foi explicado infra, na responsabilidade civil à luz do Decreto, à vítima apenas é exigido que prove a "verosimilhança e a probabilidade de o facto ser apto a causar a lesão, tendo em conta as circunstâncias do caso". Apesar de ser discutido de qual o sentido que o legislador quis dar ao referir "verosimilhança e a probabilidade" o significado é praticamente idêntico e, a meu ver, não faz sentido a discussão e que poderá ter sido uma falha de escrita do legislador. Seguindo então este entendimento e, considerando que as palavras tem o mesmo significado, o grau de convicção exigido para provar o nexo de causalidade terá que ser seria, razoável ou predominante, caso contrário violaria as garantias do Estado de Direito.
Outro reparo que é necessário fazer é que, o artigo 5º, reclama a "probabilidade de o facto lesivo ser apto a causar a lesão verificada", o que é bem diferente de se requerer a probabilidade de o facto lesivo ter causado a lesão verificada. Esta exigência é uma inovação do legislador português. Este optou por um aligeiramento da medida da prova, porque, é uma coisa bem diferente exigir a probabilidade de o facto ter causado o dano ou de o facto ser apto a causar o dano.
1. O nexo de causalidade no Código Civil[1]:
O que se exige, no direito civil, relativamente ao nexo de causalidade é que: entre a violação ilícita e culposa de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção e o dano ocorrido, deve haver certa relação.
Essa certa relação pode ser determinada através de varias teorias.Tem merecido o apoio generalizado dos autores, a doutrina da causa adequada. Esta orientação parte da ideia de conditio sine qua non: o nexo de causalidade de determinado dano estabelece-se sempre em relação a um evento que, a não ter ocorrido, levaria à inexistência de dano. Isto é: se mesmo sem evento houvesse dano, haveria que procurar a sua causa em nível diferente.
O nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil: opera, como filtro negativo, segundo a teoria da conditio sine qua non: se o facto ilícito foi indiferente para a produção do dano, não há como imputá-lo ao agente. Pela positiva, haverá que formular um juízo humano de implicação: dadas as condições existentes, era compaginável, para a pessoa normal, colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado razoavelmente provável ou, simplesmente, possível, a produção do dano. A “pessoa normal” é uma pessoa social, integrada no meio onde o problema se ponha. Temos aqui a ideia de adequação.
Mas também não chega: a causalidade pode não ser “socialmente adequada” mas ter sido voluntariamente montada para se conseguir, ainda que por via anómala, o resultado. Temos então a causalidade provocada.
Progredindo, o elemento decisivo para fixar a causalidade será o escopo da norma violada. Em síntese, a causalidade, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, vai desenvolver-se em 4 tempos:
i. Teoria da conditio sine qua non;
ii. Teoria da causalidade adequada, em termos de normalidade social; ou
iii. Provocada pelo agente, para obter o seu fim;
iv. Consoante com os valores tutelados pela norma violada.
De acordo com as regras da responsabilidade civil, o lesado tem que provar, para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil: a criação ou aumento do risco pelo agente e a materialização no resultado lesivo. O que já não acontece na responsabilidade civil ambiental como iremos ver infra.
2. O nexo de causalidade à luz do Decreto-lei 147/2008:
A exigência do nexo de causalidade encontra-se prevista no art. 5º do Decreto-lei n.º 147/2008 (doravante Decreto). É importante, desde já, esclarecer que a determinação do nexo causal na responsabilidade civil ambiental é bastante mais difícil (quer se trate de responsabilidade subjectiva, objectiva, por danos ambientais ou ecológicos) do que na responsabilidade meramente civil: o dano ambiental, os seus agentes e quais as consequências podem ser, por vezes indetermináveis ou o fosso temporal entre a causa do dano e a verificação pode variar muito. A Professora Ana Perestrelo de Oliveira[2] escreve, apesar de excluir, a hipótese de uma possível dispensa do nexo de causalidade tal como, nos casos de responsabilidade objectiva acontece com a culpa, mas tal como referi isto não acontece porque poderia, em ultimo caso, implicar a transferência do dano para uma esfera jurídica distinta daquela em que se produziu o dano.
A regra presente no Decreto, mais concretamente no art. 5º, que é aplicável às varias modalidades de responsabilidade civil ambiental, determina que “ a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada (..)” .
As diferenças quanto ao regime do nexo de causalidade do Código Civil começam já aqui. Neste tipo de responsabilidade civil a imputação da causa ao dano faz-se, como foi explicado supra, através do recurso a varias teorias sendo que, todas elas, assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é impossível no domínio ambiental. Por isso, há quem seja da opinião que “ a imputação objectiva deve assentar antes, na ideia de conexão do risco: o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado/aumentado o risco da verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado no resultado.”[3]. Esta solução seria, à primeira vista boa, contudo, estamos já no tema da prova e não do nexo de causalidade. Mas, como será explicado adiante, estes temas vão andar “ de mãos dadas”.
O art. 5º determina expressamente que a apreciação de prova assenta num critério de probabilidade. Mas, na visão de Ana Perestrelo de Oliveira, esta regra não pode ser interpretada assim pois, perderia toda a sua utilidade porque, independentemente de essa probabilidade se encontrar expressamente prevista no artigo, ou não, seria sempre relevante para a formação da convicção do juiz sobre a verificação do nexo causal. O legislador, neste caso, pretendeu ir mais longe de maneira a aligeirar o próprio grau de prova do nexo causal, passando a ser apenas exigível a probabilidade, como até já acontecia noutros ordenamentos.
Este regime de prova, no nosso ordenamento[4], só encontrará paralelo, possivelmente, com o regime das providências cautelares. Não há dúvidas que, com o regime do código civil não encontra, com certeza, paralelo algum.
A conclusão que a Professora retira da solução dada ao problema da dificuldade de prova no âmbito ambiental é que “ tem, ao menos, a virtude de efectivamente facilitar a prova do nexo causal, permitindo que a responsabilidade civil permaneça como instrumento útil e operativo de tutela do Ambiente.” Pois, caso contrário se o nível de exigência, da prova do nexo causal, fosse idêntico ao da responsabilidade do código civil este instituo não teria qualquer utilidade até porque, a dificuldade de identificação do dano (ambiental) do seu agente, e quais as consequências são de difícil individualização.
Diferentemente do que sucede com a responsabilidade civil diga-se geral, e como foi explicado infra, na responsabilidade civil à luz do Decreto, à vítima apenas é exigido que prove a "verosimilhança e a probabilidade de o facto ser apto a causar a lesão, tendo em conta as circunstâncias do caso". Apesar de ser discutido de qual o sentido que o legislador quis dar ao referir "verosimilhança e a probabilidade" o significado é praticamente idêntico e, a meu ver, não faz sentido a discussão e que poderá ter sido uma falha de escrita do legislador. Seguindo então este entendimento e, considerando que as palavras tem o mesmo significado, o grau de convicção exigido para provar o nexo de causalidade terá que ser seria, razoável ou predominante, caso contrário violaria as garantias do Estado de Direito.
Outro reparo que é necessário fazer é que, o artigo 5º, reclama a "probabilidade de o facto lesivo ser apto a causar a lesão verificada", o que é bem diferente de se requerer a probabilidade de o facto lesivo ter causado a lesão verificada. Esta exigência é uma inovação do legislador português. Este optou por um aligeiramento da medida da prova, porque, é uma coisa bem diferente exigir a probabilidade de o facto ter causado o dano ou de o facto ser apto a causar o dano.
Resumindo e concluindo, tudo o que o lesado tem que provar, para que haja responsabilidade, é a probabilidade de determinada instalação ser apta a causar o dano. Feita essa prova, com a entrada em vigor deste Decreto, presume-se que o rico se materializou no resultado. E o agente, por seu lado, pode contra-provar a probabilidade do risco e ainda fazer a prova negativa da materialização do risco no resultado lesivo, demonstrando que, apesar da criação do risco ser provável, não foi esse risco que se materializou no resultado.
[1] In, Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, Tomo III.
[2] In, A Prova do nexo de causalidade na lei da responsabilidade, Cadernos O Direito 6 (2011).
[3] Idem.
[4] Que foi reclamado por autores como Cunhal Sendim e Colaço Antunes.
Bibliografia:
- SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Ambiente;
- SILVA, Vasco Pereira da, Ventos de Mudança no Direito do Ambiente, Lições de Direito do Ambiente, 2002;
- OLIVEIRA,
Ana Perestrelo, A Prova do nexo de
causalidade na lei da responsabilidade ambiental;
- GOMES,
Carla Amado, Introdução ao Direito
do Ambiente, AAFDL, 2012;
- GOMES, Carla Amado, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009;
- CORDEIRO, António Menezes, Direito das Obrigações, Tomo III;
Assunção Correia de Matos,
aluna nº 20970.
Visto.
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