“As
energias renováveis, e a eólica em particular, contribuem para a concretização
de um desenvolvimento sustentado, sobretudo num contexto de aquecimento global
e de aumento da procura energética”, Rute Saraiva e Nuno
Aleixo[1]
Uma
evolução para a Consciencialização
Nos anos 20, vários políticos, técnicos e cientistas
começaram a tomar consciência do sistema ineficiente, desorganizado,
desaproveitado e atrasado das energias portuguesas – tal como o Engenheiro
Ezequiel Campos e Ferreira Dias.
Em 1944, aprovou-se a Lei nº2002 que veio determinar
importantes medidas para um sistema energético mais verde: definiu a REN;
decidiu que a rede eléctrica deveria ser essencialmente hidráulica; determinou
ajudas financeiras que o Estado passaria a conceder a nível das energias
renováveis; impôs certas políticas mais verdes às empresas; limitou os prazos
de concessões a empresa produtoras de energia; entre outras medidas.
No plano internacional, o ano de 1974 foi de muito
relevo, pois tivemos o que Ferreira de Amaral designou por “grave crise de
energia”, que descrevia como “nuvens
sombrias, tempestades em desenvolvimento, balanceamento de uma conjuntura
desassossegada e perturbante”[2].
Estávamos perante um contexto de inflação dos preços do petróleo – muitas vezes
como forma de chantagem entre países[3] –
, de conflitos beliciosos por tal recurso, de muita dependência uma só fonte de
energia (esgotável!).
Na União Europeia, a energia sempre foi uma temática de
relevo incontestável: nos primórdios da sua formação, começou-se com a
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço de ’51 e as designações foram-se
alterando ao longo dos anos, com os vários tratados assinados, mas o pilar da
energia esteve sempre presente – pelo menos até à pilarização (ou
despilarização) aquando o Tratado da União Europeia. Foram tomadas uma série de
directivas ao longo das décadas, quase incontáveis, até se chegar à legislação
actual, onde podemos ler (já depois das alterações com o Tratado de Lisboa de
2010) no TFUE um capítulo dedicado à energia, composto pelo artigo 194º, que
determina, além do funcionamento de um mercado interno, uma série de objectivos
a prosseguir, como o de promover a eficiência energética e o desenvolvimento de
energias novas e renováveis.
Depois
de Criados os Objectivos Verdes, os Instrumentos para os Alcançar: o Mercado
Interno da Energia
Nos últimos anos, tem-se vindo a utilizar instrumentos
com base na lógica de mercados como forma de protecção do meio ambiente e de
atingir os vários objectivos verdes definidos a nível nacional, europeu e
internacional. O primeiro mercado criado – e aquele que, utilizando a expressão
(traduzida) de TIAGO ANTUNES[4],
está à frente na corrida dos mercados ambientais – é o mercado do carbono.
Porém, vários são os mercados que se têm desenvolvido, incluindo mais
recentemente a nível da energia. Admito ter tido, inicialmente, dificuldade em
entender como é que a economia, a grande destruidora por natureza do meio
ambiente, podia ser a base para se conseguir um eficaz meio de proteger o
ambiente. Porém, o facto é a adorável ironia de, de facto, o fazer. Através da
compra e venda de licenças (por exemplo, de emissão de CO2, no caso do mercado
de carbono) e da criação de regimes sancionatórios para os mesmos, permite
controlar a actuação dos privados melhor do que qualquer directiva, lei ou
convenção assinada. A “mão invisível” funciona dentro do próprio mercado, cuja
limitação para a não afectação do meio ambiente é a melhor de todas: dinheiro.
Isto porque é muito mais barato adquirir, como num mercado normal, as licenças,
do que incumpri-las e pagar a sanção, muitas vezes superior. O dinheiro é o
melhor controlo e isso tem-se verificado também no chamado Mercado Interno da
Energia, em funcionamento na UE e determinado no já referido artigo 194º do
TFUE, e no Mercado Ibérico da Electricidade, do qual Portugal faz parte.
Ora, o sector energético foi durante muito tempo visto
como muito susceptível ao intervencionismo estatal e menos Às regras do
mercado. Só nos anos ’90 é que, e Portugal, se começa a discutir a
liberalização deste sector, que no entanto só se concretizou depois da
transposição da Directiva 96/92 de 19 de Dezembro de 1996, do Parlamento
Europeu e Conselho Europeu. Esta directiva veio obrigar os estados a abandonarem
o modelo do intervencionismo estatal para o substituírem por outras soluções,
como a criação de um Mercado Interno da Electricidade. A MIBEL foi criada
precisamente para dar cumprimento a tais comandos. Resultou do acordo entre
Portugal e Espanha, em Janeiro de 2004, que estipularam o objectivo de
construir um mercado único de electricidade com igualdade de deveres e direitos
a todos os agentes (sendo que este acordo necessitou, claro, de concretização
legislativa nacional).
No MIBEL I, estabeleceram-se importantes diferenças,
nomeadamente entre “produtores de energia”, “transportadores de energia”,
“distribuidores de energia” e “comercializadores de energia”. No entanto, o
MIBEL I foi de aplicação provisória mas que nunca entrou em vigor. Com o MIBEL
II, assinado a 1 de Outubro de 2004 em Santiago de Compostela, fizeram-se
revisões ao MIBEL I, sendo que as principais alterações foram: i) definição (ou
reforço) do objectivo de adaptar tal mercado organizado às necessidades dos
dois países para garantia de eficácia e efectividade; ii) assunção do
compromisso, durante um período transitório, de garantir uma percentagem mínima
de energia que os comercializadores regulados terão de adquirir no mercado
(artigo 7º/4/a) do Acordo).
Seguidamente à determinação destes objectivos, foi feita
a Cimeira Luso-Espanhola de Évora, a 18 e 19 de Novembro de 2005, de onde
resultou, para Portugal, a Portaria 782/07 de 19 de Julho, que versava regras especiais
e obrigações de aquisição de energia agora pelos chamados “comercializadores de
último recurso”. Estes últimos têm a sua obrigação de compra de uma percentagem
mínima de energia eléctrica, hoje em dia, no DL 29/2006, no seu artigo
49º/2/a), sendo essa obrigação de compra dirigida aos produtores de energia
eléctrica, que vêm o seu direito de compra aos comercializadores no artigo
20º/1 do DL189/88.
Dentro
do Mercado da Energia: a Energia Eólica, um Importante Marco em Portugal
Depois de observarmos a presença de Portugal no Mercado
Interno Europeu de Energia – pela vinculação ao TFUE, no seu já mencionado
artigo 194º – e no Mercado de Energia Ibérico (celebrado com Espanha), cabe a
questão das várias fontes renováveis de energia eléctrica, como a hidráulica.
Porém, há ainda uma fonte de energia renovável de muita importância demarcação:
a Energia Eólica. É que Portugal tem hoje o segundo maior nível de penetração
da energia eólica na Europa, a seguir à Dinamarca (Tabela 1), sendo
considerado o pioneiro europeu neste tipo de energia (apesar de, inicialmente,
ser mais uma 2delcaração de intenções” do que propriamente a prossecução de
resultados efectivos.
A energia eólica é tida como uma energia de segunda
geração, que se inclui no tipo tecnológico do “renewables in Global Energy Suply”. A energia eólica é o aproveitamento
da energia cinética contida no vento para produzir energia mecânica (a rotação
das pás) que pode a seguir ser transformada em energia eléctrica por um gerador
eléctrico. Diz a ENEOP que “Desde 2002, a
implementação de um enquadramento legislativo específico e estável para fontes
de energia renováveis tem permitido um crescimento muito rápido da energia
eólica, para atingir mais de 4500MW instalados em 2012, ou seja, o necessário
para produzir cerca de 15% da electricidade consumida em Portugal”. É por esta
importância da energia eólica em Portugal que não me pode deixar de despertar
curiosidade a presente forma de energia renovável (no fundo, o vento). Ainda
por cima, os impactes da utilização desta forma de produção de energia são
massivos em Portugal:
i.
De acordo com o “The Boston
Consolidation Group (BCG), 2004, O CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁEL DE
PORTUGAL FACE AO PETRÓLEO”, a utilização de fontes endógenas permite uma poupança
de cerca de 75 milhões de euros em importações de combustíveis, valor esse que
pode triplicar ou mesmo quadruplicar se forem cumpridos os vários compromissos
assumidos por Portugal, a nível europeu (MIE), ibérico (MIBEL) e nacional (com
o “Programa de Actuação para Reduzir a Dependência de Portugal Face ao Petróleo”,
Resolução do Conselho de Ministros nº 171/2004, publicação a 4 de Novembro).
ii.
Quanto ao próprio mercado de carbono, é
calculada uma poupança de cerca de 90 milhões de euros em compras de licenças
de emissão de CO2.
iii.
Além disso, com a rotulagem da
electricidade que o artigo 45º do DL 29/2006 prevê e com o desenvolvimento
deste mercado de certificados verdes: Portugal pode atingir a meta de 45% da
electricidade consumida em base da FER. Aliás, actualmente, pelo menos 15% do
consumo nacional de energia provém da energia eólica.
Nenhum
destes dados conseguiriam ser alcançados se não fossem os conhecidos: Parques
Eólicos.
Parques Eólicos e a
Intercalação com Instrumentos Jurídicos Ambientais (AIA, Licença Ambiental, REN
e Rede Natura 2000)
Os parques eólicos são as instalações onde é tratada,
processada e armazenada a energia eólica. Existem vários em Portugal (Imagem I)
e vários pela Europa e o Mundo. Aliás, pelos dados da DGGE, em Janeiro de 2007
existiam cento e quarenta parques e novecentos e setenta aerogeradores em
Portugal, com potências entre os 0,5 e os 108 MW (maioria: parques de pequena e
média dimensão)
Agora, em Portugal, não pude deixar de levantar a
questão: tal como disse, estas são instalações; logo, apesar de serem o que
podemos chamar de “energia limpa” e benéfica para o ambiente, não devem deixar
de estarem sujeitos aos vários regimes jurídicos de avaliação e controlo
ambiental.
Quanto ao regime de Avaliação do Impacte Ambiental, pelo
artigo 1º/3/b), é obrigatória tal avaliação, pela alínea i) do referido artigo,
aquando a existência de vinte ou mais torres e quando haja uma distância
inferior a 2km de parques similares (isto para instalações já existentes e para
instalações a se construir). Se for uma zona sensível, então a AIA é
obrigatória já a partir da existência de dez torres e, novamente, se o parque
estiver a menos de 2km de parques similares.
Quanto
à Rede Natura 2000, no artigo 9º/1 do DL 140/99 de 24 de Abril (republicado
pelo Decreto-Lei
n.º 49/2005 (D.R. n.º 39, Série I-A de 2005-02-24) e que procedeu à transposição
para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 79/409/CEE,
do Conselho, de 2 de Abril (relativa à Conservação das Aves Selvagens), e
da Directiva n.º 92/43/CEE,
do Conselho, de 21 de maio (relativa à Preservação dos Habitats Naturais e da
Fauna e da Flora Selvagens) prevê a possibilidade de sujeição a AIA ou a
análises de incidências ambientais, se a instalação do parque for numa ZEC ou
ZPE. Mas o DL 225/2004 já vem determinar que quanto à Rede Natura 2000, e ainda
à REN e RNAP, há obrigatoriedade (e não faculdade) de elaboração de estudos de
incidências ambientais, antes do licenciamento de certos projectos
electroprodutores, se estes: 1º, utilizarem Energias Renováveis; 2º se não
estiverem sujeitos a AIA (neste caso de áreas sensíveis, menos de 10 torres e
sem parques similares a menos de 2Km de distância). Este procedimento de
avaliação de incidências ambientais determinou-se como vinculativo à entidade
licenciadora (logo, que só pode emitir licença se parecer favorável ou
condicionalmente favorável).
No
geral, uma AIA ou uma avaliação de incidências ambientais favoráveis ou
condicionalmente favoráveis vêm a ter implicações positivas para as entidades
licenciadores e proponentes, que é a superação de certos procedimentos
complementares de aprovação ou autorização de tais instalações (porque
consideram-se já como tidos em consideração em tais avaliações). Aliás, a tendência
evolutiva é a de agilizar o processo de aprovação da construção destes parques
eólicos, através do conceito indeterminado de “interesse público” do importante
Despacho Conjunto 51/2004 – há até que ter em conta que estes despachos
conjuntos ministrais têm, sucessiva e casuisticamente, por meio de projectos,
reconhecido o interesse público na instalação de tais parques e, daí, a procura
de uma maior simplificação procedimental.
Contudo,
esta tendencial procura para a facilitação procedimental não isenta a
necessidade da construção destes parques necessitarem de uma AIA ou EIA
favoráveis e de se ter de fazer um pedido de interligação à rede eléctrica,
pelo DL 312/2001, além de necessitar de autorização para construção e de uma
licença de exploração DL n.º 127/2013 de 30 de agosto).
Precisamente
pela complexidade, tanto do procedimento para a instalação dos parques eólicos,
como para o desenvolvimento de projectos de aumento da produção de energia
eólica, a competência encontra-se dispersa por vários ministérios –
nomeadamente: do ambiente e do ordenamento do território e da economia; pela administração
central e as autarquias locais; e às vezes há dependência de pareceres de
entidades externas. Os motivos desta complexidade são, entre outros: a
utilização de terrenos (que implica custos e problemas a nível dos direitos
reais); possíveis expropriações; possíveis utilizações de bens de domínio
público ou privado da Administração Central ou Local (necessidade de contrato
ou licença pelo DL 189/88); questão dos PDM; questão de áreas como a Rede
Natura 2000, a REN e a PROF; utilização de terrenos baldios.
Com
todos os problemas inerentes, incluindo os custos da produção eléctrica e o
facto de esta ser intermitente (problema de várias energias renováveis, como a
energia solar), os benefícios são consideravelmente maiores, a meu ver. Além dos
dados supra apresentados, a utilização de fontes de energia limpa, renovável e
verde tem efeitos inexorável, não só a médio e longo prazo, como até a curto
prazo. As implicações socioeconómicas também são muito significativas, como a
criação de empregos, a redução dos custos em importações (como já referido) e a
diminuição das importações e, por isso, menor dependência externa para a
produção de energia nacional. Como se diz há muito anos, O Que é Nacional É Bom, e a energia eólica é do melhor que Portugal
tem.
Tabela 1 - Consumo de Energia Eólica nos Estados Membros em 2012. FONTE: EWEA (2013)
Imagem 1 - Localização dos Parques Eólicos em Portugal. FONTE: ENEOP, 2014
Tabela 2 - Emissões de CO2 em kWh de várias fontes de energia. FONTE: AIE (1998)
Tabela 3 - Fontes de Energia Utilizadas na Produção de Electricidade na UE em 2000. FONTE: EWEA (2010)
Tabela 4 - Fontes de Energia Utilizadas na Produção de Electricidade na UE em 2012: demonstração de evolução face à tabela anterior, em relação à crescente importância e utilização da energia eólica na UE. FONTE: EWEA (2013)
Tabela 5 - Potencia Anual em MW de 1996 a 2012 de energia eólica instalada a nível mundial. FONTE: GWEC (2013)
Bibliografia
Nacional
ÁLVARES,
Walter, Direito da Energia, Volume II, Instituto da Electricidade, Belo
Horizonte, 1974;
ANTUNES,
Tiago, Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente – texto: Market-Based Solutions to Reduce GHB
Emissions: the more the better or the more the worst?, Verdes Textos I,
Editora AAFDL, Lisboa, 2014;
Temas de Direito
da Energia, Cadernos O DIREITO nº3, Almedina, Lisboa, 2008, textos:
SARAIVA,
Rute e ALEIXO, Nuno, Energia e
Desenvolvimento Sustentável: o Caso das Energias Renováveis e da Eólica em
Especial;
TAVARES
DA SILVA, Suzana, O MIBEL e o Mecado
Interno da Energia;
MIRANDA,
João, O Regime Jurídico do Acesso às
Actividades de Produção e de Comercialização do Sector Enérgico Nacional.
Bibliografia
Estrangeira
LYSTER,
Rosemary e Bradbrosk, Adrian, Energy Law and the Environment, Cambridge
University Press, 2006, Austrália;
BARTON,
Barry, RONNE, Anita, ZILLMAN, Donald e REDGWELL, Catherine, Energy Security:
Maniging Risk in a Dynamic Legal and Regulatory Environment, Oxford University
Press, 2005, Nova Iorque;
NEBRADA
PEREZ, Joaquín, Aspectos Jurídicos de la Produción Eléctrica en Régime
Especial, Thomson Civitas Editora, 2007, Espanha.
Sitografia
Site da
ENEOP, http://www.eneop.pt/, motor de pesquisa
Google.
Joana Saraiva [20611]
[1] in Temas de Direito da Energia, Cadernos O
DIREITO nº3, Almedina, Lisboa, 2008, texto SARAIVA, Rute e ALEIXO, Nuno, Energia e Desenvolvimento Sustentável: o
Caso das Energias Renováveis e da Eólica em Especial.
[2] in Electricidade,
1974.
[3] Exemplo da
Líbia, durante o governo de Khadafi, que aumentou imenso o preço do petróleo
para conseguir, dos EUA, entre outras coisas, a aprovação do oleoduto do
Alasca.
[4] In ANTUNES,
Tiago, Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente – texto: Market-Based Solutions to Reduce GHB Emissions: the more the better or
the more the worst?, Verdes Textos I, Editora AAFDL, Lisboa, 2014






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