Um “olhar” pelo regime da
Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)
O presente trabalho tem como objectivo fazer uma breve
análise do regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (doravante AIA),
de acordo com os seguintes aspectos: âmbito de aplicação, marcha do
procedimento, entidades competentes, conteúdo e força jurídica da decisão de
impacte ambiental. O actual
regime jurídico de avaliação de impacte ambiental encontra-se instituído pelo
Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, que transpôs para a ordem
jurídica interna a Directiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de
determinados projectos públicos e privados no ambiente. Este diploma, que
entrou em vigor a 1 de Novembro de 2013, veio revogar o Decreto-Lei n.º
69/2000, de 3 de Maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de
8 de Novembro. A AIA é
um instrumento destinado a verificar as consequências ecológicas de um
determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e
inconvenientes em termos de repercussão no meio ambiente. Desta forma, enquanto
mecanismo de controlo prévio de actividades potencialmente ofensivas do
equilíbrio ecológico, a AIA constitui-se como o instrumento concretizador do princípio da prevenção na medida
em que procura assegurar uma defesa do ambiente avaliando e, se necessário,
evitando determinados efeitos lesivos para a natureza antes de estes se verificarem.
Mas outros princípios, como o princípio do
desenvolvimento sustentável e o princípio do aproveitamento racional dos
recursos disponíveis são também realizados através deste procedimento. Segundo o
Professor Vasco Pereira da Silva, o primeiro é concretizado na medida em que o regime
da AIA introduz o “factor ambiental” na tomada de decisões administrativas,
permitindo apreciar a sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser
relevante em sede de desenvolvimento económico, enquanto o princípio do aproveitamento
racional dos recursos disponíveis obriga à utilização de critérios de
“eficiência ambiental”, de forma a optimizar a utilização dos recursos
disponíveis, na avaliação da actividade projectada[1].
Posto isto, cabe agora proceder a uma breve análise do
âmbito de aplicação deste regime. Assim sendo, de acordo com o Professor Vasco
Pereira da Silva, o âmbito de aplicação deste procedimento pode ser feito de
uma perspectiva positiva e negativa. Assim, a AIA aplica-se a todos os
projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos
no ambiente, conforme dispõe o artigo 1.º, n.º 1 da AIA, aos projectos
incluídos nos Anexos I e II ao diploma (art.º 1º/3), aos projectos que, por
decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em razão
da matéria e do membro do Governo responsável pela área do Ambiente, sejam
considerados como susceptíveis de provocar um impacto significativo no Ambiente,
tendo em conta os critérios estabelecidos no seu anexo III (art.º 1º/3, alínea
c)) e, em termos negativos, o procedimento de AIA não se aplica aos projectos
destinados à defesa nacional sempre que os membros do Governo responsáveis por
estas áreas reconheçam que o procedimento terá efeitos negativos sobre esses projectos
(art.º 1º/7). Questão de fundamental importância quanto à matéria do âmbito de
aplicação deste regime jurídico é a da dispensa de procedimento, prevista no
art.º 4º. A dispensa do procedimento de AIA é admissível mediante iniciativa do
proponente (através de requerimento devidamente fundamentado - art.º 4º/2) e
por decisão conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente
e da tutela do projecto, através do qual o licenciamento ou autorização de um
projecto pode ser efectuado com dispensa, total ou parcial, do procedimento de
avaliação de impacte ambiental, desde que se baseie em situações excepcionais e
devidamente fundamentadas (art.º 3º/1). Relativamente a esta matéria, algumas
críticas têm sido feitas principalmente no que diz respeito à expressão
“circunstâncias excepcionais” constante do n.º1 do artigo 4.º, que como entende
a Professor Carla Amado Gomes, trata-se de um conceito indeterminado constituindo
por isso uma “espécie de norma habilitante em branco”, tornando o controlo do
exercício dessa competência extremamente difícil, para além disto considera ainda
a mesma autora que esta “dispensa” é também criticável pela não exigência de
apresentação de um Estudo de Impacte Ambiental (doravante EIA), contrariando
assim o princípio de que deve ser o proponente a demonstrar a ausência de
impactos relevantes associados ao projecto.
No que respeita à marcha do procedimento, o
regime da AIA desenvolve-se ao longo de várias fases. Primariamente, o
proponente começa por apresentar o EIA com o projecto a licenciar, sob a forma
de estudo prévio, anteprojecto ou projecto de execução, à entidade licenciadora
ou competente para autorização do projecto, que dispõe de 5 dias para os
remeter à autoridade de AIA (art. 14.º, n.º1). No entanto, o procedimento só se
inicia a partir da recepção da documentação necessária à correcta instrução
pela Autoridade de AIA, nos termos do artigo 14, n.º 1 e 2. Cabe também
referir, que o procedimento de AIA pode ter uma fase facultativa, que consiste
na definição do objecto do estudo de impacto ambiental (artigo 12.º), onde o
proponente pode apresentar uma proposta de definição do âmbito do Estudo de
Impacto Ambiental (art.º 12º/2) que será posteriormente objecto de uma consulta
institucional (art.º 12º/3), da qual resultará um parecer. Caso o pedido se
encontre correctamente instruído, a Autoridade da AIA procede à Constituição da
Comissão de Avaliação, e, segundo o n.º5 do mesmo artigo, a comissão de
Avaliação tem 30 dias para se pronunciar sobre a conformidade do EIA contados a
partir da data da sua constituição, podendo a autoridade de AIA, com base na
sua apreciação, emitir decisão de conformidade que viabiliza a sequencia imediata
do procedimento (14.º, n.º 10), ou de desconformidade que acarreta o
indeferimento liminar do pedido de AIA e a extinção do procedimento respectivo.
Podendo ainda emitir um pedido de aperfeiçoamento no caso do n.º8 do mesmo
artigo. E, ainda é aberto um período de participação pública de 20 dias, no âmbito
do qual os interessados são chamados a pronunciar-se sobre os elementos do
procedimento de AIA (art. 15.º, n.º1) e os resultados dessa consulta pública
são inseridos num relatório (art. 29.º, n.º4). Terminada esta fase, a Comissão
de Avaliação irá elaborar o parecer final do procedimento de AIA, o qual remete
à Autoridade de AIA para a preparação da proposta de uma Declaração de impacte
ambiental (doravante DIA) (art. 16.º, n.º1). A autoridade de AIA elabora uma
proposta de DIA, que notifica ao interessado para que ele se pronuncie nos
termos dos artigos 100.º e seguintes do CPA (art. 17.º). Cabe mencionar que de
acordo com o artigo 2.º, alínea g) da AIA, a DIA corresponde “a uma decisão,
expressa ou tácita, sobre a viabilidade ambiental de um projecto, em fase de
estudo prévio ou anteprojecto ou projecto de execução”. Relativamente a este
último aspecto, cabe referir que se tivermos perante um projecto de execução, a
DIA é suficiente para determinar se o projecto pode ser licenciado ou
autorizado. Já quando a AIA é realizada em fase de estudo prévio ou de anteprojecto,
há necessariamente lugar a uma fase subsequente em que se vai confirmar se o projecto,
uma vez assente em termos concretos e definitivos, respeita as condicionantes
prescritas na DIA, como vem expressamente previsto nos artigos 20.º e 21.º da
AIA. Relativamente ao sentido de decisão, a DIA pode ser favorável, favorável
condicionada ou desfavorável. É o que resulta expressamente do artigo 18.º, n.º
1 da AIA, pelo que segundo este artigo o procedimento de AIA terminará de uma
de três formas, ou viabilizando o projecto, tal e qual como o proponente o
apresentou ou viabilizando o projecto, mas exigindo que este respeite
determinadas condicionantes ou inviabilizando por completo o projecto. Cabe
também fazer referência que o relacionamento entre o acto de avaliação de
impacte ambiental e o acto de licenciamento pode configurar uma de três
hipóteses: no caso de uma DIA favorável, o licenciamento do projecto torna-se
possível, mas tal não significa que haja um dever de licenciar o projecto, já
que a sua decisão pode envolver a ponderação de outros valores, por exemplo,
económicos ou sociais que se considerem importantes; no caso de uma DIA
favorável condicionada, o licenciamento do projecto torna-se igualmente
possível, mas apenas desde que respeitadas as condições prescritas na própria
DIA e por fim, no caso de uma DIA desfavorável, fica absolutamente excluída a
possibilidade de o projecto ser licenciado.
Quanto à competência para a emissão da DIA, dispõe
o artigo 19.º, n.º 1 do RAIA que “a DIA é proferida pela Autoridade de AIA ou
pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente”. E, ao remeter o n.º1
para os nºs 6 e 7 do artigo 16.º do mesmo diploma, verifica-se que se a DIA for
desfavorável, ela terá que ser praticada pelo Ministro mas já se for favorável será
proferida pela Autoridade da AIA (art. 16.º/6). Ou seja, se a Autoridade de AIA
decidir viabilizar o projecto, poderá ela mesma praticar a DIA favorável ou condicionalmente
favorável. Se, pelo contrário, entender que o projecto tem impactes ambientais
adversos tão significativos e que portanto não deva ser autorizado, terá de remeter
o processo ao Ministro do Ambiente, a fim de que este emita a correspondente
DIA desfavorável. Esta situação tem sido alvo de muitas críticas, nomeadamente
para o Professor Tiago Antunes, esta é uma situação criticável e que deveria
ser analisada, porque desta forma conduz ao favorecimento de emissões de DIAs
favoráveis ou condicionalmente favoráveis, uma vez que para se proceder à
emissão de DIAs desfavoráveis, estas têm ainda de ser remetidos ao membro do
Governo responsável para aí serem novamente analisados, e devendo para o efeito
a Autoridade de AIA concluir a sua apreciação pelo menos 10 dias antes do termo
do prazo de decisão, ao contrário do que se verifica na emissão das DIAs
favoráveis pois são apenas proferidas pela Autoridade de AIA. Outro dos
aspectos que merece também especial atenção na análise deste regime da AIA, diz
respeito à questão do deferimento tácito que vem expressamente contemplado no
artigo 19.º, n.º 2, segundo o qual, decorrido o prazo máximo para a conclusão
do procedimento de AIA sem que a respectiva decisão final, a DIA, tenha sido
notificada à entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto,
considera-se que essa mesma DIA foi tacitamente deferida. Não obstante, o artigo
19.º, n.º 4 do AIA determinar que, nos casos de deferimento tácito, a entidade
competente para o licenciamento ou autorização do projecto deverá ter em
consideração o EIA apresentado pelo proponente, bem como os demais elementos
que tenham sido recolhidos ao longo do procedimento de AIA, como os pareceres
de entidades externas, a apreciação técnica do EIA, o relatório da consulta
pública, etc. Considero que esta solução não deixa de ser algo contraditória porque
se a finalidade deste regime foi a de autonomizar a apreciação das
consequências ecológicas para eventual aprovação e autorização de um projecto,
e nessa medida a autoridade licenciadora tomar a melhor decisão possível, então
não faz sentido esta solução, ou seja, atribuir-se tanta importância aos
procedimentos da AIA para depois acabar por ter lugar independentemente da sua
verificação. Finalmente falta-nos analisar a última questão deste trabalho, que
diz respeito à força jurídica da decisão de impacte ambiental. Esta é uma
questão muito importante uma vez que é a força jurídica da DIA que vai
determinar que consequências tem o procedimento de AIA sobre o licenciamento ou
a autorização do projecto. Verifica-se pelo artigo 22.º da AIA, que o legislador
atribuiu à DIA uma força jurídica vinculativa, nos termos da qual uma decisão
em sentido negativo impede o licenciamento ou a autorização do projecto. Ou
seja, o acto de licenciamento ou autorização do projecto só pode ser praticado
se previamente existir uma DIA favorável ou favorável condicionada. E para não
falar que o n.º 3 do artigo 22.º vem determinar que a violação das regras
anteriores acarreta o desvalor da nulidade, fortalecendo ainda mais a sua
vinculatividade. Quando falamos aqui em vinculativa é importante não esquecer o
que já foi referido anteriormente, que é o facto de a DIA favorável ou favorável
condicionada não obrigar ao licenciamento ou autorização do projecto e a DIA
desfavorável obrigar ao indeferimento do projecto. É justamente por isso que o
Professor Tiago Antunes fala aqui de uma “vinculatividade modulada
ou alternativa”, ou seja, se a DIA for desfavorável ocorre um “efeito preclusivo”, que impede o
licenciamento ou a autorização do projecto mas se a DIA for favorável ou condicionalmente
favorável, ocorre um “efeito
conformativo”, que impõe as circunstâncias e condicionantes ao abrigo
das quais o projecto pode ser licenciado ou autorizado, mas não quer dizer que
o seja. Verificamos assim que a DIA é condição da existência de um futuro acto
de licenciamento de projectos sujeitos a AIA, que só poderá ser praticado após
a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável, apresentando-se
assim como um verdadeiro acto administrativo. Seguindo a Posição do Professor
Vasco Pereira da Silva, é um verdadeiro acto administrativo que “se integra
numa relação jurídica duradoura e que resulta de um procedimento complexo,
constituindo um pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores, que
ficam por este condicionados, quer no que respeita à sua existência, quer ao
seu conteúdo”.
O regime da AIA, apesar de
algumas irregularidades por parte do nosso legislador é um regime bastante
completo e confere segurança e protecção para o meio ambiente pois por um lado,
permite avaliar, de forma integrada, os possíveis impactes ambientais
significativos, decorrentes da execução dos projectos e das alternativas
apresentadas, por outro lado procura definir medidas destinadas a evitar,
minimizar ou compensar tais impactes ambientais, e, ainda como questão muito
importante deste regime procura garantir a participação pública e a consulta
dos interessados na formação de decisões que lhes digam respeito, privilegiando
o diálogo e o consenso no cumprimento da função administrativa.
Bibliografia:
- ANTUNES, Tiago, “A decisão do procedimento de avaliação de impacte ambiental” in
ACTAS DO COLÓQUIO, Revisitando a Avaliação de Impacte Ambiental AA.
Vários, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, 2013, p. 207 e SS;
- FERNANDA NEVES, Ana, “O âmbito de aplicação de avaliação de impacte ambiental” in ACTAS DO COLÓQUIO, Revisitando
a Avaliação de Impacte Ambiental, AA. Vários, Org. Carla Amado Gomes e
Tiago Antunes, 2013, p. 112 e SS;
- GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: AAFDL, 2014,
p. 143 – 168;
- PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente. Almedina,
2004, p. 152 – 167;
Patrícia Ganhão, n.º 21128
[1] PEREIRA
DA SILVA, Vasco, Verde cor de Direito,
Lições de Direito do Ambiente. Almedina, 2004, p. 154;
Visto.
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