Um olhar verde sobre a problemática do nexo de
causalidade na responsabilidade civil ambiental
Com o surgimento
das preocupações ambientais no mundo do Direito era inevitável que fossem
criadas disposições legais a tutelar o novo bem jurídico. Como tal, era
estritamente necessário que surgissem disposições legais a ocuparem-se da violação
das normas que visem a tutela do Ambiente, aparecendo assim a categoria do
ilícito ambiental. No nosso Ordenamento
Jurídico, o artigo 66.º da CRP, entende o direito ao Ambiente como um
verdadeiro direito fundamental.
O
Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho aprovou o regime jurídico da
responsabilidade por danos ambientais (RJRDA) verificando-se como um regime
multifacetado, mas ao mesmo tempo complexo. Quando falamos da responsabilidade
civil ambiental, o nexo de causalidade é o pressupostos mais controverso, cuja
verificação é necessária para que se possa imputar alguém a obrigação de
reparar os danos causados por uma actuação lesiva para o meio ambiente. Neste diploma (Decreto-Lei n.º 147/2008, de
29 de Julho) procura-se resolver os problemas no nexo de causalidade por via do
artigo 5.º, que se aplica a ambas as modalidades de responsabilidade civil.
Centrando-nos na problemática em torno do nexo de causalidade,
podemos dizer que a Doutrina tem se debruçado sobre o assunto e o entendimento mais comum é a teoria do escopo da norma violada, onde existe imputação do agente através da conditio sine qua non. Nesta doutrina
clássica tem que se verificar se o dano é abrangido pelo âmbito de protecção da
norma. Com o devido
respeito, considero que esta teoria é ab
initio, insuficiente, não conseguindo acautelar o meio ambiente pois este entendimento não se verifica suficiente
no sentido em que a conditio sine qua non
raramente é susceptível de ocorrer em termos ambientais, pois a causalidade
é limitada a ocorrências puramente estatísticas e de causalidade alternativa, sendo
excluída a possibilidade de certeza de qual o agente praticou o dano em
concreto.
Para
além, da teoria do escopo da norma, também a teoria conditio sine qua non,
assim como a teoria da causalidade adequada assentam na ideia de causalidade
naturalística pelo que não colhem no âmbito ambiental. Como tal, não considero
essencial falar pormenorizadamente sobre cada uma delas, pois já foram bastante
desenvolvidas e debatidas na Doutrina. Importante, isso sim, é conseguir
arranjar uma alternativa para que possamos tutelar os danos ambientais da
melhor maneira possível, protegendo de uma forma mais abrangente. Portanto, é
necessário que se encontre uma forma de imputação ao agente naquelas situações
em que a conditio sine qua non falhe, aquando da análise do
nexo de causalidade.
Olhando
para os sistemas anglo-saxónicos, estes utilizam as teorias da market-share liability e da pollution-share liability. A
primeira foi criada na década de 80 pelo Supremo Tribunal da Califórnia com
o chocante caso Sindell vs. Abbot Laboratories, aqui a responsabilização é
feita segundo a quota de mercado, isto é, reparte-se entre as várias empresas
que estão presentes no mercado (na percentagem que cada uma delas representa no
mercado). Assim falhando a conditio sine qua non, e sendo impossível determinar qual o agente a
que deve ser imputado o dano, são responsabilizados todos os agentes que se
encontram no mercado, de uma forma repartida. Após o chocante caso americano
Sindell vs. Abbot Laboratories, a Jurisprudência americana construiu uma outra
teoria designada como pollution-share liability, onde a responsabilidade
é feita segundo o nível das emissões poluentes, onde o aspecto relevante é a
desnecessidade de demonstrar qual foi a emissão concreta que gerou o dano, mas
sim, todos as emissões poluentes. De acordo com esta teoria, todas as
instalações que apresentarem condições de terem provocado um dano deverão ser
responsabilizadas, nas proporções das respectivas emissões, sendo dispensada
desta forma o dever de demonstrar qual a emissão que concretamente gerou o
dano. Porém, embora considere que estas duas teorias se verifiquem como muito
úteis para o Direito do Ambiente, não se coadunam actualmente com o Ordenamento
Jurídico Português visto que dispensam o nexo de causalidade, o que afecta a «trave-mestra» da nossa estrutura da responsabilidade civil.
Assim
sendo, é necessário que dentro das opções que o nosso Ordenamento Jurídico
dispõe, encontrar a melhor solução. Com o devido respeito, considero que a
teoria da conexão do risco é aquela que oferece ao meio ambiente a melhor
solução. Nesta teoria o facto é objectivamente imputado ao agente, quando este crie
ou aumente o risco de verificação do resultado lesivo e consequentemente esse
risco se materialize num resultado. É certo, que esta teoria restringe os danos
a serem imputados ao agente através de uma interpretação teleológica da norma
jurídica em causa, visto que, a responsabilidade só terá lugar se a conduta do
agente for em concreto, susceptível de lesar bens jurídicos protegidos pela
norma jurídica, oferecendo ao mesmo tempo um critério apto de identificar em
concreto o nexo de causalidade. Louvando o facto, de respeitar os princípios
específicos do Direito do Ambiente, pois é retirada a ideia de risco do
princípio da prevenção.
Seguindo o entendimento do Senhor Professor Vasco
Pereira da Silva relativamente ao conceito de risco, este surge de forma a
flexibilizar os critérios de determinação do nexo de causalidade, no sentido em
que deixa de ser necessária a demonstração da conditio sine qua non, o que se verifica muito vantajoso visto que
esta limita de uma forma séria as possibilidades de recurso da responsabilidade
civil ambiental. No Direito do Ambiente, o conceito de risco tem subjacente uma
ameaça de degradação ou destruição, grave ou irreversível de bens ambientais
naturais, havendo risco quando estiver em causa a subsistência de um bem
natural ou consequentemente a sua capacidade de regeneração.
Centrando agora a nossa atenção no artigo 5.º do
Decreto-Lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, este diz-nos literalmente que a
apreciação da prova assenta num critério de probabilidade, porém o legislador
foi mais longe e conjugou a redução do grau de prova com a presunção da
materialização do risco no resultado lesivo. Assim sendo, podemos dizer que o
nexo de causalidade, actualmente, no nosso Ordenamento Jurídico configura-se
nos seguintes termos: ao agente é imputado objectivamente (artigo 7.º do RJRDA)
o dano quando este o criou ou aumentou o risco de verificação do dano e
consequentemente esse risco materializou-se no resultado lesivo, assentando num
critério de verosimilhança e de probabilidade (como determina o artigo 5.º do
RJRDA), como os dois conceitos sugerem ter o mesmo significado, como tal, para
não dificultar a sua interpretação, o preceito deve ser alvo de uma
interpretação ab-rogante lógica. Assim sendo, ao lesado incumbe provar a probabilidade
da criação do risco por parte do agente, estando aqui em causa um risco
concreto. O Juiz, basta porém, ficar convicto da probabilidade de se verificar
o nexo causalidade, isto é, terá de ficar convicto da criação ou aumento do
risco assim como da materialização do risco no tal resultado lesivo. A prova passa
assentar na mera probabilidade. O agente, por sua vez, fica incumbido de
demonstrar que não é provável ter criado o risco, mas mesmo que sendo provável
não foi aquele risco que se materializou naquele resultado. Já por sua vez, existindo
uma pluralidade de responsáveis, o artigo 4.º n.º1 do RJRDA resolve dizendo que
respondem todos solidariamente pelos danos.
A
título de curiosidade, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, o seu Superior
Tribunal de Justiça entendeu numa decisão que proferiu em caso de dano
ambiental que «aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o
dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se todo o
encargo de provar que a sua conduta não foi lesiva» É notório que o acórdão assenta
no princípio da equidade, visto que o agente que lucra com determinada actividade
deve responder pelos riscos dela originados.
Em
suma, considero que uma boa solução para aqueles danos que ficam sem tutela, seria
o Ordenamento Jurídico Português acolher as tradições anglo-sáxonicas das market-share liability e da
pollution-share liability. É necessário introduzir uma «consciencialização»
de política ambiental, isto é, a necessidade de o Ambiente ser visto como bem
jurídico que é, que pertence a todos nós. Abandonar a visão que durante muito tempo
vigorou nas mentes humanas, que o Ambiente é um meio para ser utilizado ao «seu
belo prazer» sem pensar nas consequências que pode acarretar para cada um de
nós em termos individuais, mas acima de tudo para a Humanidade no seu todo. É
claro que não podemos proibir toda e qualquer conduta que cause danos ao
Ambiente, mas podemos evitar alguns e outros até bastante graves.
É de aplaudir o esforço do legislador português, pois o Direito do Ambiente tem sido alvo de
progressos legislativos, sendo tutelado cada vez mais, e até
podemos afirmar que foi um progresso muito positivo o que foi vivido ao longo
dos últimos anos. Em particular, é de assinalar a preocupação do legislador com
o nexo de causalidade. Contudo, continua a ser insuficiente. Falta fazer mais e
melhor, é necessário que exista uma responsabilização efectiva no domínio
ambiental.
Bibliografia
utilizada:
·
Antunes,
Tiago, Da Natureza Jurídica da
Responsabilidade Ambiental, In Temas de Direito do Ambiente, Coimbra, 2011.
·
Gomes,
Carla Amado, O que há de novo no Direito
do Ambiente? Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, FDL, Lisboa, 2009.
·
Menezes,
Luís Leitão, A Responsabilidade Civil por
danos causados ao Ambiente, In Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil
por dano Ambiental.
·
Oliveira,
Ana Perestrelo de, A Prova do Nexo de
Causalidade na Lei da Responsabilidade Ambiental, In Actas Do Colóquio A
Responsabilidade Civil por dano Ambiental.
·
Oliveira,
Heloísa, A restauração natural no novo
Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por danos ambientais, In Actas
das Jornadas de Direito do Ambiente, FDL, Lisboa, 2009.
·
Vasco, Pereira da Silva,
«Verde cor de Direito: ''Lições de direito do ambiente», Almedina, 2002.
Andreia Barbosa da Silva
Aluna n.º 20493
Visto.
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