sábado, 3 de maio de 2014



Um olhar verde sobre a problemática do nexo de causalidade na responsabilidade civil ambiental


Com o surgimento das preocupações ambientais no mundo do Direito era inevitável que fossem criadas disposições legais a tutelar o novo bem jurídico. Como tal, era estritamente necessário que surgissem disposições legais  a ocuparem-se da violação das normas que visem a tutela do Ambiente, aparecendo assim a categoria do ilícito ambiental. No nosso Ordenamento Jurídico, o artigo 66.º da CRP, entende o direito ao Ambiente como um verdadeiro direito fundamental. 
O Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho aprovou o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais (RJRDA) verificando-se como um regime multifacetado, mas ao mesmo tempo complexo. Quando falamos da responsabilidade civil ambiental, o nexo de causalidade é o pressupostos mais controverso, cuja verificação é necessária para que se possa imputar alguém a obrigação de reparar os danos causados por uma actuação lesiva para o meio ambiente. Neste diploma (Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho) procura-se resolver os problemas no nexo de causalidade por via do artigo 5.º, que se aplica a ambas as modalidades de responsabilidade civil.
Centrando-nos na problemática em torno do nexo de causalidade, podemos dizer que a Doutrina tem se debruçado sobre o assunto e o entendimento mais comum é a teoria do escopo da norma violada, onde existe  imputação do agente através da conditio sine qua non. Nesta doutrina clássica tem que se verificar se o dano é abrangido pelo âmbito de protecção da norma. Com o devido respeito, considero que esta teoria é ab initio, insuficiente, não conseguindo acautelar o meio ambiente pois este entendimento não se verifica suficiente no sentido em que a conditio sine qua non raramente é susceptível de ocorrer em termos ambientais, pois a causalidade é limitada a ocorrências puramente estatísticas e de causalidade alternativa, sendo excluída a possibilidade de certeza de qual o agente praticou o dano em concreto.
Para além, da teoria do escopo da norma, também a teoria conditio sine qua non, assim como a teoria da causalidade adequada assentam na ideia de causalidade naturalística pelo que não colhem no âmbito ambiental. Como tal, não considero essencial falar pormenorizadamente sobre cada uma delas, pois já foram bastante desenvolvidas e debatidas na Doutrina. Importante, isso sim, é conseguir arranjar uma alternativa para que possamos tutelar os danos ambientais da melhor maneira possível, protegendo de uma forma mais abrangente. Portanto, é necessário que se encontre uma forma de imputação ao agente naquelas situações em que a conditio sine qua non falhe, aquando da análise do nexo de causalidade.
Olhando para os sistemas anglo-saxónicos, estes utilizam as teorias da market-share liability e da  pollution-share liability. A primeira foi criada na década de 80 pelo Supremo Tribunal da Califórnia com o chocante caso Sindell vs. Abbot Laboratories, aqui a responsabilização é feita segundo a quota de mercado, isto é, reparte-se entre as várias empresas que estão presentes no mercado (na percentagem que cada uma delas representa no mercado). Assim falhando a conditio sine qua non, e sendo impossível determinar qual o agente a que deve ser imputado o dano, são responsabilizados todos os agentes que se encontram no mercado, de uma forma repartida. Após o chocante caso americano Sindell vs. Abbot Laboratories, a Jurisprudência americana construiu uma outra teoria designada como pollution-share liability, onde a responsabilidade é feita segundo o nível das emissões poluentes, onde o aspecto relevante é a desnecessidade de demonstrar qual foi a emissão concreta que gerou o dano, mas sim, todos as emissões poluentes. De acordo com esta teoria, todas as instalações que apresentarem condições de terem provocado um dano deverão ser responsabilizadas, nas proporções das respectivas emissões, sendo dispensada desta forma o dever de demonstrar qual a emissão que concretamente gerou o dano. Porém, embora considere que estas duas teorias se verifiquem como muito úteis para o Direito do Ambiente, não se coadunam actualmente com o Ordenamento Jurídico Português visto que dispensam o nexo de causalidade, o que afecta a «trave-mestra» da nossa estrutura da responsabilidade civil.
Assim sendo, é necessário que dentro das opções que o nosso Ordenamento Jurídico dispõe, encontrar a melhor solução. Com o devido respeito, considero que a teoria da conexão do risco é aquela que oferece ao meio ambiente a melhor solução. Nesta teoria o facto é objectivamente imputado ao agente, quando este crie ou aumente o risco de verificação do resultado lesivo e consequentemente esse risco se materialize num resultado. É certo, que esta teoria restringe os danos a serem imputados ao agente através de uma interpretação teleológica da norma jurídica em causa, visto que, a responsabilidade só terá lugar se a conduta do agente for em concreto, susceptível de lesar bens jurídicos protegidos pela norma jurídica, oferecendo ao mesmo tempo um critério apto de identificar em concreto o nexo de causalidade. Louvando o facto, de respeitar os princípios específicos do Direito do Ambiente, pois é retirada a ideia de risco do princípio da prevenção.
Seguindo o entendimento do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva relativamente ao conceito de risco, este surge de forma a flexibilizar os critérios de determinação do nexo de causalidade, no sentido em que deixa de ser necessária a demonstração da conditio sine qua non, o que se verifica muito vantajoso visto que esta limita de uma forma séria as possibilidades de recurso da responsabilidade civil ambiental. No Direito do Ambiente, o conceito de risco tem subjacente uma ameaça de degradação ou destruição, grave ou irreversível de bens ambientais naturais, havendo risco quando estiver em causa a subsistência de um bem natural ou consequentemente a sua capacidade de regeneração.
Centrando agora a nossa atenção no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, este diz-nos literalmente que a apreciação da prova assenta num critério de probabilidade, porém o legislador foi mais longe e conjugou a redução do grau de prova com a presunção da materialização do risco no resultado lesivo. Assim sendo, podemos dizer que o nexo de causalidade, actualmente, no nosso Ordenamento Jurídico configura-se nos seguintes termos: ao agente é imputado objectivamente (artigo 7.º do RJRDA) o dano quando este o criou ou aumentou o risco de verificação do dano e consequentemente esse risco materializou-se no resultado lesivo, assentando num critério de verosimilhança e de probabilidade (como determina o artigo 5.º do RJRDA), como os dois conceitos sugerem ter o mesmo significado, como tal, para não dificultar a sua interpretação, o preceito deve ser alvo de uma interpretação ab-rogante lógica. Assim sendo, ao lesado incumbe provar a probabilidade da criação do risco por parte do agente, estando aqui em causa um risco concreto. O Juiz, basta porém, ficar convicto da probabilidade de se verificar o nexo causalidade, isto é, terá de ficar convicto da criação ou aumento do risco assim como da materialização do risco no tal resultado lesivo. A prova passa assentar na mera probabilidade. O agente, por sua vez, fica incumbido de demonstrar que não é provável ter criado o risco, mas mesmo que sendo provável não foi aquele risco que se materializou naquele resultado. Já por sua vez, existindo uma pluralidade de responsáveis, o artigo 4.º n.º1 do RJRDA resolve dizendo que respondem todos solidariamente pelos danos.
A título de curiosidade, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, o seu Superior Tribunal de Justiça entendeu numa decisão que proferiu em caso de dano ambiental que «aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se todo o encargo de provar que a sua conduta não foi lesiva» É notório que o acórdão assenta no princípio da equidade, visto que o agente que lucra com determinada actividade deve responder pelos riscos dela originados.
Em suma, considero que uma boa solução para aqueles danos que ficam sem tutela, seria o Ordenamento Jurídico Português acolher as tradições anglo-sáxonicas das market-share liability e da pollution-share liability. É necessário introduzir uma «consciencialização» de política ambiental, isto é, a necessidade de o Ambiente ser visto como bem jurídico que é, que pertence a todos nós. Abandonar a visão que durante muito tempo vigorou nas mentes humanas, que o Ambiente é um meio para ser utilizado ao «seu belo prazer» sem pensar nas consequências que pode acarretar para cada um de nós em termos individuais, mas acima de tudo para a Humanidade no seu todo. É claro que não podemos proibir toda e qualquer conduta que cause danos ao Ambiente, mas podemos evitar alguns e outros até bastante graves.
É de aplaudir o esforço do legislador português, pois o Direito do Ambiente tem sido alvo de progressos legislativos, sendo tutelado cada vez mais, e até podemos afirmar que foi um progresso muito positivo o que foi vivido ao longo dos últimos anos. Em particular, é de assinalar a preocupação do legislador com o nexo de causalidade. Contudo, continua a ser insuficiente. Falta fazer mais e melhor, é necessário que exista uma responsabilização efectiva no domínio ambiental.


Bibliografia utilizada:
·         Antunes, Tiago, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental, In Temas de Direito do Ambiente, Coimbra, 2011.
·         Gomes, Carla Amado, O que há de novo no Direito do Ambiente? Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, FDL, Lisboa, 2009.
·         Menezes, Luís Leitão, A Responsabilidade Civil por danos causados ao Ambiente, In Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil por dano Ambiental.
·         Oliveira, Ana Perestrelo de, A Prova do Nexo de Causalidade na Lei da Responsabilidade Ambiental, In Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil por dano Ambiental.
·         Oliveira, Heloísa, A restauração natural no novo Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por danos ambientais, In Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, FDL, Lisboa, 2009.
·         Vasco, Pereira da Silva, «Verde cor de Direito: ''Lições de direito do ambiente», Almedina, 2002.




Andreia Barbosa da Silva
Aluna n.º 20493




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